Quando comecei minha vida profissional, numa empresa de mineração canadense, nos idos de 1976, trabalhava sob a coordenação de dois geólogos argentinos, de quem guardo as melhores recordações. Com eles muito aprendi e o bom relacionamento que fizemos, em nada evoca a dita rivalidade que existe entre nossos países. Se dependesse de nossa amizade, brasileiros e argentinos seriam de fato, verdadeiros hermanos. Falo da Mag* e do Ale*. Com eles aprendi, além dos fundamentos da pesquisa mineral de metais-bases, a gostar de chimarrão e da música dos pampas. E ensinei-lhes o gosto pela MPB e a cultura nordestina. Eles adoravam Martinho da Vila e Luiz Gonzaga.
Ale já partiu para o andar de cima. Que Deus o tenha! Mag voltou para sua Argentina, no início dos anos oitenta. Era descendente de russos, muito alta e alva, porte alto para os padrões brasileiros e trazia no rosto um permanente sorriso e um ar de admiração por tudo. Usava cabelos bem curtinhos, escondidos sob chapéu ou boné, o que lhe ocasionou, alhumas vezes, ser tratada de Senhor, pelas gentes locais. Ela dava gostosas risadas e desfazia o mal entendido com simpático bom humor.
Tinha uma verdadeira tara por mamão, que ele pronunciava, indefectivelmente, mamón. Durante os dois anos em que trabalhamos juntos, não consegui que ela emitisse a pronúncia correta. Era mamón e tudo bem. Se hospedávamos em alguma pensão do interior, ela logo pedia ao proprietário para providenciar sua fruta predileta no café da manhã e no jantar. Se acampávamos, ela levava caixas de mamão, de que cuidava como se fossem crianças.
Fazíamos um trabalho na cidade de Araguanã, margem direita do Tocantins, norte de Goiás, na época. Nossa base era Araguaína, para onde voltávamos todas as noites e onde eu tinha uma namoradinha, uma flor do cerrado, como eu a chamava, que ficava ansiosa me esperando nos entardeceres calientes daquelas longitudes goianas. De modo que eu fazia de tudo para chegar cedo ao hotel e não frustrar minha doce espera. A família impunha limite de horário. Depois das oito... Nem pensar!
Certo dia, era um sábado, voltávamos por uma estradinha de fazenda, muito retilínea, por volta de 18h30, sol já se escondendo, cansados da jornada de 10 horas seguidas, naquela temperatura de quase 40 graus. As construções da cidade já estavam à vista, quando passamos ao largo de belíssima fazenda ao pé de uma elevação, onde se avistava ao longe, imensa plantação de mamões. O mundo amarelou de tanto mamão, no pé da serra. Tudo madurinho, pedindo para ser colhido. Naquela noite, mais do que qualquer outra, eu não podia me atrasar. Tinha festa na cidade e a noite prometia ser especial. Eu já antegozava os bons momentos que me esperavam, quando a excitação da Mag me chamou à realidade:
- RRRReginaldo! (como ela puxava os erres!). Mamón! Veja! Quanto mamón. Que maravilha! Vamos a boscar-los!
Eu fiz um cálculo, rápido, que gastaria não menos de uma hora, para atravessar toda aquela extensão a pé, colher todos os mamões que ela quisesse e voltar novamente ao carro. Sem falar da arrumação que teria de fazer no carro, já lotado, e da possível conversa que ainda teria de entabular com os proprietários. E etc e etc.
- Meu programa foi pro brejo! Pensei, vendo o entusiasmo da hermana.
Mas não entreguei os pontos. Lutaria com todas as armas.
Desci da Rural Willys, fui até a cerca e mirei bem o mamoal, como quem avalia, com grande conhecimento. Coloquei as mãos sobre os olhos, para focar a mira, fiz uma encenação e concluí, do alto de minha especialização em mamón:
- Infelizmente Mag, trata-se de uma variedade nativa de mamão, conhecida como mamão bravo, que não é comestível. Tem muito aqui no norte de Goiás. Inclusive é muito tóxica e pode mesmo matar um ser humano. Por isso essa abundância... Ninguém colhe.
-Mamón bravo!? Pero son tan lindos hem! Que pena! Non sabia de esse mamón bravo. Como se los distinguistes de acá?
- Ah Mag, eu conheço mamão bravo de longe. Fui criado no meio deles. Há uma sutil característica da folhagem e do caule, que a gente distingue de longe. Qualquer hora te mostrarei.
-Ah, bom! Entonces nos vamos, hem! Pero que es uma pena es! Tan lindidtos!
Ela ficou tão tristinha, que o remorso me acometeu. Tive a pique de voltar e dizer que tinha me enganado. Mas havia uma flor do cerrado à minha espera!
Para compensar meu pequeno pecado, passei numa frutaria e comprei-lhe uns dez mamões, ao gosto de seu apetite. Ela ficou extremamente agradecida e eu salvei minha noite, graças ao mamón bravo.
Nos dias seguintes, sempre que via algum mamão ela perguntava:
- Esse es bravo? Se puede comer-lo?
Quando nos separamos, em meados de 1977 (a empresa em que trabalhávamos se fora do Brasil), quase lhe revelei minha traquinagem, mas na hora H, não tive coragem. Depois, nunca mais a vi. Acho que ela até hoje deve dizer a seus amigos argentinos para tomarem cuidado com mamón bravo, ao virem para o Brasil. Pode até matar.
Mas vocês não concordam que foi por uma causa justa?
Ale já partiu para o andar de cima. Que Deus o tenha! Mag voltou para sua Argentina, no início dos anos oitenta. Era descendente de russos, muito alta e alva, porte alto para os padrões brasileiros e trazia no rosto um permanente sorriso e um ar de admiração por tudo. Usava cabelos bem curtinhos, escondidos sob chapéu ou boné, o que lhe ocasionou, alhumas vezes, ser tratada de Senhor, pelas gentes locais. Ela dava gostosas risadas e desfazia o mal entendido com simpático bom humor.
Tinha uma verdadeira tara por mamão, que ele pronunciava, indefectivelmente, mamón. Durante os dois anos em que trabalhamos juntos, não consegui que ela emitisse a pronúncia correta. Era mamón e tudo bem. Se hospedávamos em alguma pensão do interior, ela logo pedia ao proprietário para providenciar sua fruta predileta no café da manhã e no jantar. Se acampávamos, ela levava caixas de mamão, de que cuidava como se fossem crianças.
Fazíamos um trabalho na cidade de Araguanã, margem direita do Tocantins, norte de Goiás, na época. Nossa base era Araguaína, para onde voltávamos todas as noites e onde eu tinha uma namoradinha, uma flor do cerrado, como eu a chamava, que ficava ansiosa me esperando nos entardeceres calientes daquelas longitudes goianas. De modo que eu fazia de tudo para chegar cedo ao hotel e não frustrar minha doce espera. A família impunha limite de horário. Depois das oito... Nem pensar!
Certo dia, era um sábado, voltávamos por uma estradinha de fazenda, muito retilínea, por volta de 18h30, sol já se escondendo, cansados da jornada de 10 horas seguidas, naquela temperatura de quase 40 graus. As construções da cidade já estavam à vista, quando passamos ao largo de belíssima fazenda ao pé de uma elevação, onde se avistava ao longe, imensa plantação de mamões. O mundo amarelou de tanto mamão, no pé da serra. Tudo madurinho, pedindo para ser colhido. Naquela noite, mais do que qualquer outra, eu não podia me atrasar. Tinha festa na cidade e a noite prometia ser especial. Eu já antegozava os bons momentos que me esperavam, quando a excitação da Mag me chamou à realidade:
- RRRReginaldo! (como ela puxava os erres!). Mamón! Veja! Quanto mamón. Que maravilha! Vamos a boscar-los!
Eu fiz um cálculo, rápido, que gastaria não menos de uma hora, para atravessar toda aquela extensão a pé, colher todos os mamões que ela quisesse e voltar novamente ao carro. Sem falar da arrumação que teria de fazer no carro, já lotado, e da possível conversa que ainda teria de entabular com os proprietários. E etc e etc.
- Meu programa foi pro brejo! Pensei, vendo o entusiasmo da hermana.
Mas não entreguei os pontos. Lutaria com todas as armas.
Desci da Rural Willys, fui até a cerca e mirei bem o mamoal, como quem avalia, com grande conhecimento. Coloquei as mãos sobre os olhos, para focar a mira, fiz uma encenação e concluí, do alto de minha especialização em mamón:
- Infelizmente Mag, trata-se de uma variedade nativa de mamão, conhecida como mamão bravo, que não é comestível. Tem muito aqui no norte de Goiás. Inclusive é muito tóxica e pode mesmo matar um ser humano. Por isso essa abundância... Ninguém colhe.
-Mamón bravo!? Pero son tan lindos hem! Que pena! Non sabia de esse mamón bravo. Como se los distinguistes de acá?
- Ah Mag, eu conheço mamão bravo de longe. Fui criado no meio deles. Há uma sutil característica da folhagem e do caule, que a gente distingue de longe. Qualquer hora te mostrarei.
-Ah, bom! Entonces nos vamos, hem! Pero que es uma pena es! Tan lindidtos!
Ela ficou tão tristinha, que o remorso me acometeu. Tive a pique de voltar e dizer que tinha me enganado. Mas havia uma flor do cerrado à minha espera!
Para compensar meu pequeno pecado, passei numa frutaria e comprei-lhe uns dez mamões, ao gosto de seu apetite. Ela ficou extremamente agradecida e eu salvei minha noite, graças ao mamón bravo.
Nos dias seguintes, sempre que via algum mamão ela perguntava:
- Esse es bravo? Se puede comer-lo?
Quando nos separamos, em meados de 1977 (a empresa em que trabalhávamos se fora do Brasil), quase lhe revelei minha traquinagem, mas na hora H, não tive coragem. Depois, nunca mais a vi. Acho que ela até hoje deve dizer a seus amigos argentinos para tomarem cuidado com mamón bravo, ao virem para o Brasil. Pode até matar.
Mas vocês não concordam que foi por uma causa justa?
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