sexta-feira, janeiro 07, 2011

As dobras do tempo

Estava o geólogo tomando seu líquido revigorante, após um dia de trabalho duro, nos sertões baianos, quando um curioso colega de estabelecimento quis saber pra que servia aquele martelo calibre 38 pendurado no coldre.

Gentil, como soe ser todo geólogo nessas ocasiões, esmerou-se por explicar que “aquilo” era uma ferramenta de trabalho muito útil para quebrar as pedras e assim poder estudá-las melhor, com a lupa e tal.

- Estudar pedra?! Hahahaha!!!!

Foi uma gargalhada geral, porque a essa altura outros curiosos se achegaram.

- Sim, estudar a pedra, ver de que ela é constituída e descrever as estruturas para depois tentar recriar a história da...

- História?? E pedra tem história? Hahahaha!!!!

- Claro! Por exemplo, a areia da prainha ali do rio, um dia já foi pedra, sabiam?

Agora o geólogo era o centro das atenções. Todo o estabelecimento queria saber esse negócio de pedra ter história.

- Outro exemplo, dizia, entre um gole e outro, essa pedra aqui (mostrava a guia da calçada), um dia pode ter sido como uma massa de pão: bem molinha.

- Oxente! Como é que pode?

- Pois é. Tão mole que se dobrou como uma folha de papel.

Aí o estabelecimento veio abaixo de tanta risada.

- Ih! O cara é um tremendo gozador, diziam. Tá achando que a gente é otário.

Depois que as risadas cessaram, a atenção voltou-se novamente para o geólogo, mas este, calado, continuou a deglutir seu revigorante, desinteressando-se da conversa. Mas os curiosos queriam mais.

- E aí, tem mais história?

- Não vou continuar.

- Mas por que?

- Ora, se vocês se mijaram de rir, quando eu disse que pedra dobra, terão infarto quando eu disser que ainda redobra.

Pano rápido.

Enquanto a conversa descambava para o chocolate que o Bahia deu em não-sei-quem, o geólogo ensimesmou-se, cofiando a barbicha, deliciando-se com o pensamento superior que lhe ocorera naquele momento:
 
- Ver as dobras das pedras não é nada. Eles nem imaginam que nós, geólogos, vemos também as dobras do tempo.
 
Assim, reconfortado por esse sentimento de sabedoria, tomou todas naquela noite. Pode ter sido apenas coincidência, mas quanto mais ele bebia, mais as dobras do tempo ficavam nítidas.
 
Bsb, jan/2011