segunda-feira, setembro 17, 2018

Eclesiastes


Que posso te dizer, criança?
Não digo nada,
Digo apenas que está lá,
Em Eclesiastes,
Com todas s letras:
Há tempo de matar... Tempo de morrer...”
Tempo de odiar... Tempo de rasgar...”
Tempo de chorar... Tempo de espalhar pedras...”
Tempo de odiar... Tempo de guerra...”
Tempo de perder... Tempo de ficar calado...”
E então?
De que te admiras?
São chegados os tempos...
Tempos desertos, inclementes, secos,
Tempos de canalhas,
Tempos difíceis.

Mas, não te inquietes mais que o necessário.
Acalma teu coração e te asserena.
Quem avisou, sabe o porquê.
Nem alegues surpresa, que o aviso é milenar.
Não o ouviu os moucos,
Não o leu os cegos,
Não o captou os loucos.

Faz teu mea culpa e vê onde te cabe nestes tempos.
Lambe as feridas, enquanto refletes.
Sabes o que tem mais em Eclesiastes?
O que é, já foi”
E o que há de ser, também já foi”
Percebes?
Deus pede conta do que passou”
Não vês?
Os tempos duros são tempo dos homens, criança,
Isso é o que é.
Porque naqueles tempos, lá está escrito,
No lugar do juízo havia impiedade”
E no lugar da justiça havia iniquidade”
Precisa desenhar?

Então, enxuga o pranto, que precisamos mudar os tempos.
Não me perguntes como,
Pois também tenho dúvidas.
Mas sei que são tempos nossos,
Dos nossos medos,
Nossas omissões,
Nossa covardia,
Nosso silêncio

Anda criança, vamos às praças,
Procuremos os desalentados,
Falemos da impiedade e da iniquidade dos homens
E da advertência de Salomão:
Há tempo para todo o propósito debaixo do céu”,
Compartilhemos um propósito novo,
Coletivo, solidário e inclusivo.
Lancemos sementes.

Não te digo que será fácil, e não será.
Pois os tempos dos homens são rotulados como tempos de Deus
À multidão drogada de dominação e subserviência.
E não te espantes se te acusarem
E até te condenarem à cicuta.
Nem te surpreendam os ardis da infâmia, das tramas,
Da mentira e da traição:
São os horrores dos tempos que fizemos.
Ainda na masmorra, porém, sustém-te em teus valores,
Que o tempo é a régua da História
E tudo passa, menos o nome do justo.

Então, criança, que mais te posso dizer?
Não digo nada,
Digo apenas que está lá,
Em Eclesiastes,
Para o bom cristão,
Em manchetes garrafais:
Extra! Extra! O Tempo é de Deus,
Mas os tempos são dos homens.”
E é bom que seja assim.
À luta!


SSA, Set/2018