terça-feira, dezembro 20, 2011

Soneto com pé sem cabeça

Há tempos não me sento pra escrever nada que mereça uma postagem.
Correria, tempo curto, falta de inspiração, enfim, não vem ao caso.
O caso porém é que outro dia, na sala de espera do dentista, ouvi, sem querer, um diálogo inspirador entre duas respeitáveis matronas. Na verdade, um monólogo. Enquanto a amiga folheava uma revista Veja de 2001, a outra espinafrava sem parar um certo fulaninho, ao que entendi até parente dela mesma. Em resumo, ela tentava convencer a distraída leitora, que o fulaninho, hoje um bom vivant folgado, que não  ajuda a ninguém, subiu na vida à custa de métodos não propriamente éticos, aplicando golpes em incautos e incautas por aí.
Mas o que, de fato, me ficou da estoria e me inspirou a registrar a passagem foi a frase final, dita já da porta de entrada do dentista: - Aquilo é um pé-rapado, sem berço, posando de high society.
Na hora me deu um estalo: isso dá samba.
Bem, samba ainda veremos, mas um sonetozinho despretensioso, vá lá.
A quem se aventurar a lê-lo, vou logo avisando: é um soneto com pé, mas sem cabeça.

Chegou num pé-de-vento, ao fim da tarde branda.
Aproveitando o pé-de-briga, se postou atento,
Sondando o pé-direito do convento
E ouvindo o pé-de-bode alegre na varanda.

Rodopiando, feito um pé-de-valsa, entrou no quarto.
De pé-de-cabra em punho abriu o cofre.
Tranquilo, o pé-de-pano nada sofre,
Nem seu pé-de-atleta, nem seu pré-infarto.


Fez pé-de-meia com o investimento,
Comprou empresa, barco e pé-de-pato,
Mas com um pé atrás, já que ex-detento.

Por não ser mão-de-vaca, mas sensato,
Não jogou pé-de-moleque ao vento:
É hoje um pé-rapado high society e fino trato.
Salvador, dez/2011