domingo, agosto 26, 2007

Por quem chora o grevista

No final dos anos oitenta, o movimento dos trabalhadores da CPRM já contabilizava grandes conquistas, em comparação ao período pré-85, quando não negociávamos ACTs. Mas essas conquistas foram paridas em árduos confrontos com a Empresa, dos quais as várias greves que fizemos, foram momentos muito especiais de conscientização e aprendizado.
Chegou-me a notícia de que um colega, muito chegado pessoalmente, de uma outra Superintendência (na época eu atuava em Goiânia), era um contumaz fura-greve. Devido à nossa sabida amizade, vieram me pedir para tentar senzibilizá-lo, tendo vista um movimento paredista que se anunciava próximo e inevitável. Precisaríamos da máxima adesão possível.
Foi então que enviei ao caro fura-greve a carta que hoje resgato, pelo seu valor histórico, retirando do texto original qualquer referência que possa identificar o destinatário. Uma cópia não identificada circulou, clandestinamente, na época, mas sem minha autorização. Hoje, dado o véu do tempo, eu mesmo a publico, sem mais nenhum comentário.
Meu caro fura-greve,
De início, quero deixar bem claro que não tenho intenção, com esta carta, de lhe agredir e aos demais colegas que, sistematicamente, optam por trabalhar durante nossas greves, mesmo se colocando contra a imensa maioria. A greve é apenas um direito, não uma obrigação. Desse direito, que é a arma mais poderosa da classe trabalhadora, faz uso quem quer. Melhor dizendo, quem tem verdadeira consciência do seu significado. Participar ou não, de um movimento paredista é uma simples questão de consciência. E consciência é coisa que não entra em nós através de nenhum dos cinco sentidos, mas pelo uso da razão.
Por isso me propus escrever-lhe esta carta, que é, antes de mais nada, um convite à reflexão, para que você, que não tem estado conosco, pense, pondere comigo, analise as considerações que faço e venha juntar-se a nós, nas próximas mobilizações. Quero lhe mostrar que o seu lado é o lado de cá, junto dos seus colegas.
Vejamos seus motivos. Discutamos seus argumentos, suas justificativas que, imagino possam ser pressão da chefia; medo do corte do ponto ou medo de outras represálias.
Enfim, você tem medo de ser prejudicado, de alguma forma. Atrás de algum desses argumentos, acha perfeitamente justificável não parar, pois, “quem me dará o dinheiro para o supermercado no fim do mês, se meu salário, que já é baixo, vier descontado?” Ou então: “quem me conseguirá outro emprego, se eu perder este?”. Não são perguntas desse tipo que você sempre faz?
Eu apenas posso lhe dizer que não tenho as respostas, porque não participo de greves pensando nos problemas individuais deste ou daquele colega. Saiba que as greves não oferecem abrigo contra temores pessoais, posto que se trata de movimento solidário, coletivo. No meio do grupo, nos sentimos forte, como categoria e nos enchemos de dignidade. Dormimos em paz e não temos medo do espelho, mesmo sem a certeza de vitórias pessoais.
Você certamente dirá: “tudo isto é muito bonito, mas dignidade não enche barriga!”. Eu lhe digo, porém, que as greves são dos mais belos exemplos de solidariedade que existem. Há categorias, como a dos professores, alguns setores do funcionalismo público e da construção civil, por exemplo, com nível salarial menor que o nosso e sofrendo corte integral dos dias parados, que sustentam greves por meses a fio e nunca se ouviu que um desses trabalhadores morresse de fome. Em compensação, não padecem de insônia, possuem altivez, andam de cabeça erguida. A dignidade não sente fome, acredite em mim! Barriga cheia, sem dignidade, dá insônia.
Da mesma forma que a miséria não justifica o crime, o medo também não pode servir de justificativa para o ato de abandonar os colegas. O que o faz supor que as represálias, se houverem, recairão sobre você? Você se supõe mais exposto que os colegas, como eu, que estão na liderança do movimento? Em caso de demissões, por causa da paralisação, quem acha que será alcançado primeiro, você ou eu?
Olha meu amigo, o movimento sindical não avançou sempre em brancas nuvens. Há um preço a ser pago. Ao final de cada greve, empresa e trabalhadores contabilizam suas perdas e ganhos. Porém uma coisa é certa, é lei: havendo organização e união, o movimento avança sempre e a categoria nunca perde. Você não acha bom ter no seu contracheque, itens como anuênio, adicional regional, complementação do mínimo profissional? Não gostou de receber aqueles famosos 58% por conta da URP’s e do Plano Verão? Não acha importante que tenhamos auxílio-educação, auxílio-creche e auxílio ao filho excepcional? Até o auxílio-funeral, que nenhum de nós gostaria de receber! Não é reconfortante saber que num momento de fragilidade emocional, ele cuida de tudo para nós? Não é bom também, saber que, no caso de falecimento ou internação de parente próximo, podemos dispor de alguns dias de folga? E o que me diz da assistência médica, da licença paternidade e de uma série de outros benefícios sociais e trabalhistas, igualmente importantes, constantes dos nossos ACT’s?
Pois tudo isso, é bom que saiba, não foi obtido de graça, nem foi concedido, gentilmente, pela Empresa. Foram conquistas paridas em tensas negociações, suportadas por greves organizadas, onde nunca faltou o apoio maciço da categoria. Já pensou, no entanto, se todo mundo pensasse como você e não participasse das greves? Já pensou se todos se escondessem atrás de seus medos?
Se você é daqueles que julgam a validade de uma greve apenas pelos seus resultados, então ouça o que vou lhe dizer e considere minhas palavras como uma provocação: uma greve não pode ser julgada só pelos resultados que obtém, mas sim pela justeza das causas que reivindica, pela forma correta de sua condução e pela sua fidelidade aos legítimos interesses da categoria. Na verdade, a greve é o momento especial de um confronto de classes. Desse confronto, a classe trabalhadora pode não obter, em determinados momentos, ganhos salariais imediatos, todavia se foi conduzida com dignidade e se os interesses dos trabalhadores não foram traídos, foi um movimento vitorioso, pois a credibilidade da condução mantém a dignidade do trabalhador e alimenta a mobilização de maneira permanente. Um recuo estratégico, consciente, não pode ser encarado como derrota.
Nós, empregados da CPRM, constituímos um corpo social único. Cada trabalhador é uma célula desse corpo. Enquanto houver uma só célula doente, todo o corpo estará doente. Portanto, você que costuma furar nossas greves, que não se expõe; que não corre risco de ter os dias descontados, quando vir, pelos corredores da empresa, um colega chorando, por ter sofrido qualquer retaliação, em função da greve, não pergunte o motivo do seu choro, nem sinta pena dele, porque ele é, na verdade, um forte. Pense em você mesmo, meu amigo, na sua fraqueza, que nos enfraquece a todos. No seu medo que nos acovarda e nos diminui. Na sua subserviência, que abre dolorosa chaga no corpo de nossa categoria. E você sentirá que, na verdade, é por você que ele chora. Você é quem é digno de pena.
Por fim, se após a leitura dessas despretensiosas palavras, você estiver se sentindo incomodado, não se preocupe. Deixe o incômodo aflorar! É sua consciência que está reagindo. Relaxe ... E reflita.
Com minhas sindicais saudações,.

domingo, agosto 19, 2007

Zé Galã não deu no couro

Quando veio trabalhar comigo, em um projeto no Maranhão, Zé Galã* já beirava aí os sessenta anos. Gorducho, embora forte, os cabelos já bem raros, barriga assaz proeminente, enfim, era o que sobrara do galã que dizem ter sido outrora. Mas o cabra não se entregava assim, sem mais nem menos. Embora o apetite já não fosse mais o mesmo, o velho garanhão gostava de apreciar um “prato saboroso”. Isso ele gostava!
Estávamos numa região de garimpo. Na cidade em que alugamos uma casa, havia um colégio público, com uma turma noturna de adultos. A bem da verdade, éramos vizinhos do colégio, que adotava o tradicional uniforme feminino de saia azul plissada acima do joelho e camisa branca. Zé Galã se deliciava vendo os brotinhos desfilarem, nos intervalos e no fim das aulas, sempre com aquele indefectível comentário:
- Ah meu tempo!
Mas, na verdade, as garotas mais bonitas eram, todas elas, casos dos garimpeiros. Quando soava a sirene da última aula, começavam a encostar as cabines duplas incrementadas, colhendo as estudantes e desaparecendo pelas estradas e matagais dos arredores, motéis naturais do lugar.
Numa noite de sexta-feira, causou-nos estranheza ver Zé Galã todo arrumado, impaciente, limpando seu Toyota por dentro, tirando a poeira dos bancos, perfumando com bom-ar e olhando no relógio a cada dez minutos. Vimos também quando ele jogou um lençol no banco traseiro. Por fim, de tanto perguntarmos, ele entregou o ouro:
- Colega! Hoje vou sair com uma colegial! Quinze aninhos, hehehe!
Ainda brinquei com ele:
- Cuidado Zé, sair com menor é crime inafiançável, dá cadeia, sabia?
Ele deu de ombros e disse que eu estava era com inveja, dando aquele risinho maroto.
Uns vinte minutos do fim das aulas, vi quando ele tomou uma branquinha e uma cerveja, em seu Pacheco e encostou o jipe num canto mais escuro da rua, certamente seguindo alguma combinação prévia. Ficamos todos atentos para ver quem era a “colegial” do Galã. Como quem não quer nada, nos encostamos no muro, a menos de dez metros do Toyota e não adiantou os sinais do Zé, para nos afastarmos.
Dali a pouco, eis que a colegial se aproxima rapidamente e entra no carro, depois de passar bem rente onde estávamos, para desespero do Dom Juan. Cá pra nós, o colega devia estar muito a perigo, porque a garota não era o tipo que fazia jus a sua fama. Primeiro, os quinze aninhos, deveriam ser de repetência no colégio, porque ela devia ter, com certeza, em torno de quarenta, embora, a saia muito curta pudesse indicar menos idade. Segundo, era muito feia a coitada, além de gorduchinha, como ele. Enfim, não era nenhuma brastemp, vocês entendem? Afinal, as pepitas de verdade já estavam todas nas bateias dos garimpeiros. Bom, mas o fato é que em segundos os pombinhos desapareceram, no rumo do igarapé do Búfalo, segundo deduzimos, ali nos arredores da cidade, no traçado da estrada velha do garimpo, onde costumávamos passar, em nossa faina diária. De fato, ali havia uma pequena praia, de areia bem branquinha, que deve ter atiçado o romantismo do apaixonado colega.
O Zé não imaginava, contudo, que não era ele o único a demandar o aconchegante recanto, naquela noite quentíssima dos trópicos maranhenses. Uma revoada imensa de famintas e vorazes carapanãs já tomava conta do local, quando ali chegou o assanhado casal. Carapanã, para quem não sabe, é como os nortistas chamam nossa conhecidíssima muriçoca.
Pois bem, assim o casal de amantes se aconchegou no lençol estendido sobre a alva areia, e os corpos, digamos, apetitosos, começaram a ser expostos, as carapanãs atacaram, como se fora um furioso exército de kamikazes, dispostos a matar e morrer. E os pombinhos, inicialmente concentrados nas carícias, cada vez mais ousadas, passaram a sentir as ferroadas agudas das atacantes e começou o festival de tapas... Segundo o próprio Zé Galã, quando as carapanãs cravavam o punhal nas costas ou no bumbum, não tinha como não interromper o interlúdio, para acochar um tapa, na tentativa de expulsar o covarde agressor. A concentração ia pras cucuias. Mas, persistente, o casal continuou. Quando sua amada soltou um gemido mais agudo, o Zé quis botar fogo no clima e sapecou no seu ouvido:
- Tá gostando, meu bem?
Zé brochou de vez com a inesperada resposta:
- Gostando uma porra! Levei uma picada no pescoço que chega tá saindo sangue. Você não vai reagir não, é? O coitado tava sem reação, entendem?
Nesse exato momento, ao tentar matar um inseto que lhe pousara no nariz, Zé Galã mandou os óculos pro chão e saiu engatinhando, desesperado para encontrar, já que, sem essa ferramenta, ele era um pouco mais que cego. Com a ajuda da fugaz amada, os óculos foram encontrados, 15 minutos depois, soterrados e com o aro empenado.
Aí o valente garanhão tomou uma corajosa decisão, já que era imperativo manter a honra de pé, sem trocadilho. Seu lema era: desistir, jamais!
- Vamos lá em casa, que eu vou dar uma lição nessas carapanãs.
A essa altura, a colegial já estava se vestindo, vencida pela ferocidade do bando alado.
Já estávamos todos em nossas redes, quando o Galã entra, sorrateiramente no quarto e, de lanterna em punho, fuça as prateleiras, derrubando material e fazendo um barulhão danado. Quando lhe perguntei o que queria, ele me responde com outra pergunta:
- Regi, você sabe onde está aquele autanzinho que trouxemos de Recife?
- Autan, uma horas dessas!! Tá ficando louco Zé?
Autan era um repelente que usávamos durante o dia, pra nos proteger dos mosquitos da malária.
Meio sem jeito ele me falou por alto o que acontecera, mas se mostrou disposto a seguir em frente. Dei-lhe um frasco que trazia na minha mochila e ele saiu rapidamente, retornando ao mesmo local: a prainha do igarapé do Búfalo. Em lá chegando, e sem perda de tempo, lambuzou-se e à sua colegial, de repelente, proclamando:
- Agora quero ver essas danadinhas nos importunarem!
E passaram ao interlúdio interrompido. Ao ar livre, sob as bênçãos da mãe-natureza e sem as ferroadas desestimulantes. Zé Galã recobrara o vigor e quando já ia consumar seu desejo, naquela volúpia de mão na mão, mão naquilo e aquilo na mão, a colegial deu um grito agudo e levantou-se desesperada, com as duas mãos entre as pernas e correu a se lavar nas águas límpidas do igarapé. É que o repelente ácido, ao atingir suas partes mais íntimas, provocou dolorosa reação, deixando atônito o pobre Galã, sem saber o que fazer. Depois de uns 15 minutos lavando, a dor diminuiu, mas deixou um tremendo inchaço e uma irritação local insuportável. E, pra piorar a situação, a colegial começou a espirrar... Alergia, na certa.
Mas, a essa altura, Zé Galã estava em brasa e não ia desistir, depois de tanto sacrifício, mesmo sob os protestos da alérgica amada. A fim de contagiar a parceira, deu de fazer carícias ali mesmo, na água, em pé, corpos nus resplandecendo na água. Quando, finalmente, parecia que as coisas se encaminhavam para o gran finale, a colegial deu um espirro na cara do amante impetuoso, jogando-lhe uma bola de catarro no olho, que foi escorregando por toda a face, lambuzando-lhe o rosto daquela nojeira gosmenta e mal-cheirosa.
Num ímpeto, Zé Galã se atirou na água, para se lavar daquela imundície e ao fazê-lo, esqueceu-se que o leito era rasinho, pouco mais de dois palmos. Pagou caro pelo descuido, enfiando a cara nos pedregulhos do fundo do leito, ficando com várias escoriações no rosto e o nariz sangrando. A garota correu pro carro e pediu pelo amor de Deus para lhe levar ao posto de saúde.
Sem alternativas, Zé Galã levou sua colegial para receber atendimento médico e a deixou em casa, já quase ao amanhecer.
Quando vimos seu estado no dia seguinte, ficamos estarrecidos:
- Mas afinal Zé, você teve uma noite de amor, ou participou de uma luta livre? Essa colegial acabou contigo cara! Que fera!
Ele me olhou uns segundos, um olhar triste, distante, coçou a ferida do nariz e me respondeu, quase pensando alto:
- É Regi... Na verdade, foi uma verdadeira luta.
Desconversou e pediu para mudarmos de assunto. Ficamos todos intrigados e preocupados. Quis levar-lhe ao médico, mas ele se recusou. Só muito tempo depois é que me contou, sob juramento de sigilo, o que acabo de compartilhar com vocês, com a condição de que guardem esse segredo apenas entre nós.
O interessante é que na segunda-feira de manhã, ao distribuirmos as equipes e os materiais para o dia de trabalho no campo, ao lhe perguntar se queria Autan, o Zé assustou-nos com uma resposta inesperada:
- Regi, me prometa uma coisa. Enquanto estivermos trabalhando juntos, nem que seja por dez anos, nunca mais, mas nunca mais mesmo, me fale essa palavra, nem ninguém use esse veneno perto de mim. Prefiro mil vezes, pegar malária, leischmaniose, o diabo, menos usar essa droga.
Durante a semana seguinte não vimos a colegial do Zé na escola. Não sei o que houve. Sei que ele não tocou mais no assunto e quando brincávamos sobre pegar uma colegial, ele sai-se com essa:
- Esse negócio de idade é besteira Regi. Tem balzaca por aí muito mais interessante.
É... Nesse ponto, Zé Galã tem toda razão.
-----------------------------------------------------------------
* Nome fictício

quarta-feira, agosto 15, 2007

Vôlei faz mal aos dentes?

Sangue italiano, Giovanni* sempre arrumava discussões acaloradas nos jogos de futebol ou vôlei, que fazíamos nos finais de semana, na quadra da ASSEME (Associação dos Empregados do Ministério de Minas e Energia), uma chácara nos arredores de Goiânia, freqüentada pelos empregados da CPRM, RADAM, Docegeo, DNPM e Nuclebrás. O Pessoal da Metago era convidado especial e sempre se fazia presente.
Mas eram discussões que não ultrapassavam a areia da quadra e terminavam invariavelmente, em gostosas risadas, entre copos de cerveja e tira-gostos do Ademar - carne de sol ou picanha fatiada. Enfim, tudo era motivo de comemoração. Até que...
Numa segunda-feira, antes de oito horas, ao chegar ao trabalho, encontrei em minha mesa um bilhete da telefonista. Dizia que o Dr. Giovanni ligara e pedira para eu ir encontrá-lo ali nas proximidades, esquina de duas ruas conhecidas. Intrigado, corri ao local, não atinando com o que poderia ser. Por que ele não fora à minha sala? Na verdade, não o via desde sábado, porque no domingo, não tinha ido à ASSEME.
Mas logo o mistério se desfez. Entre constrangido e arrependido, ele me contou que tinha brigado com o Tiago*, um engenheiro da CPRM, no jogo de vôlei e, no calor da discussão, dera um murro na boca do pobre, que quebrou dentes e causou sérios problemas, obrigando-o a ir a um hospital. Mostrou-me também sua mão enfaixada, conseqüência da lei de ação e reação. Fiquei pasmo, sem saber o que dizer.
-Muito bem. Já está feito. E agora? O que quer que eu faça? Disse-lhe, após lhe recriminar o comportamento, lembrando da harmonia que sempre reinou na ASSEME e do ambiente sadio de trabalho que sempre mantivemos.
Sabem o que ele queria? Que eu sondasse o Tiago, para ver se havia espaço para uma reconciliação, um encontro de pedido de desculpas, ou algo que o valha. Inclusive se dispôs a quitar as despesas havidas no atendimento de emergência.
Ponderei que achava difícil. Primeiro, porque a coisa estava ainda muito recente e segundo porque o Tiago também era um paulista esquentado, todos sabiam. Não ia perdoar assim, sem mais nem menos. Enfim, prometi-lhe usar toda minha capacidade de persuasão, mas deixei claro minha opinião:
-Dessa vez, italiano, pisaste na merda com os dois pés!
Ele ficou esperando e eu fui lá, tentar o impossível. Tiago não tinha chegado. Fiquei sabendo que ele não iria trabalhar naquela manhã. Como morava ali perto, telefonei e ele se prontificou a me receber. Mas vi, pela sua dificuldade de articular as palavras, que o caso fora sério. Aconselhei Giovanni a aguardar o desfecho em casa, por precaução.
Realmente, o estrago tinha sido considerável. Era lastimável o estado da boca do colega. Após gastar toda minha diplomacia, o Tiago me disse que também estava bastante envergonhado e arrependido, mas não tinha a menor condição de um conversa por enquanto, com seu agressor. E, para o bem de ambos, me pediu para dar o seguinte recado ao italiano:
-Fale praquele fdp que eu não vou sair por aí atrás dele pra me vingar. Pode ficar sossegado. Mas, pelo bem que ele tem a sua família, não cruze a minha frente. Faça de tudo para não se encontrar comigo. Eu farei o mesmo. Caso contrário, não me responsabilizo por minha reação. Pelo menos por um mês.
Dado o recado, escoltei o Giovanni até sua sala e por uns bons tempos, ficamos assim. Como ele e Tiago trabalhavam em casas separadas (a SUREG ocupava quatro casas), não foi muito difícil cumprir o trato. Ambos evitavam circular e quando o faziam, amigos iam juntos para intervir em qualquer imprevisto. Também deixaram de freqüentar a Associação nos fins de semana.
Pouco tempo depois, não sei se por isso ou não, o Tiago pediu demissão.
A roda do tempo girou e levou o italiano para o andar de cima. Tiago trabalhou em algumas empresas e depois voltou à CPRM. Não sei se os dois fizeram as pazes. Não me consta. Mas sei que não houve nenhum tira-teima.
Giovanni sempre se referia a esse episódio como uma das grandes besteiras de sua vida. Um erro que ele não teve tempo de reparar. Pensando nesse causo, vejo como é sábio o ditado da minha terra que diz que os pecados de domingo, quem paga é segunda-feira. Dito e feito.
* Nome fictício

terça-feira, agosto 14, 2007

Destruição necessária

Não me digas que era inevitável,
Que a tragédia foi só fatalidade
E que as dores que sentes e a saudade
São os frutos cruéis do imponderável.

Represaste o que era irrepresável,
Alteraste o correr da Natureza...
Era certo, portanto, que a represa
Algum dia explodisse e o rio, estável,

Retomasse seu curso secular,
Devolvendo equilíbrio ao ambiente.
Aprendamos, por fim, uma lição!

Muitas vezes é bom e salutar
Que se rompam os elos da corrente,
E com eles a velha construção,

Pra que brote de novo no lugar
Edifícios de paz, nova semente,
Sob o signo e a voz do coração.

domingo, agosto 12, 2007

Gaiola das loucas aqui não!

Na década de oitenta, com o fim do regime militar, assumiu a presidência da CPRM o Dr. Natalino*. Foi o momento também, em que os movimentos sociais explodiam, especialmente as organizações sindicais. Nesse contexto, surgia a CONAE, fruto de uma mobilização de cinco anos. Nem preciso dizer que passamos a ser o calo do Dr. Natalino, afinal as demandas reprimidas eram muitas e recém estávamos desfrutando a liberdade da plena atuação sindical na Empresa.
Uma das características do novo presidente era que ele detestava dar entrevistas. Vínhamos de duas décadas de ditadura, durante as quais se cristalizou no seio da Administração pública o dogma de que os gestores não tinham satisfações a dar à sociedade. Eles se autoproclamavam acima de qualquer julgamento, que não o da autoridade superior e ponto final. Imprensa, jornalistas... Argh! Que nojo!
Pois bem, surgiu o boato de que o Dr. Natalino preparava uma demissão em massa na CPRM e que os escolhidos para a degola tinham sido transferidos para uma sala especial, no Escritório do Rio de Janeiro, imediatamente apelidada de "Gaiola das Loucas". A notícia chegou a Goiânia nas vésperas da primeira visita que o Presidente faria àquela Unidade. Eu e o Vergílio, meu Secretário na CONAE, ponderamos que precisávamos provocar a discussão e forçar o presidente a desmentir (ou confirmar) o boato. Mas como?! Tentei agendar uma reunião específica (eu era o presidente da CONAE), mas ele negara, dizendo que faria uma reunião geral, com todos os funcionários, onde daria todas as explicações.
Mas não nos entregamos. Redigimos uma "Nota à Imprensa", da CONAE, onde denunciávamos a tentativa de demissão de 300 empregados na Empresa e a fizemos circular, graças a amizades que tínhamos na imprensa local, entre os dois maiores jornais e as três redes de televisão que atuavam na cidade, na tarde que precedeu a chegada do Diretor-Presidente, que veio acompanhado do Diretor de Operações.
A Nota causou impacto porque deixamos no ar a possibilidade de comprometimento das nossas ações no Centro-Oeste, caso as demissões fossem confirmadas e isso, para a imprensa local, era um ponto de honra a esclarecer.
Dia seguinte, 8h00. O saguão do Hotel Bandeirantes, o melhor da cidade na época, 1986, estava repleto de jornalistas e equipamentos de gravação de TV. Quando a porta do elevador se abriu com os dois diretores dentro, os flashes espocaram, os jornalistas se acotovelaram tentando se aproximar. Os diretores ficaram pasmos, pois jamais imaginavam aquela recepção. Completamente sem jeito, o Dr. Natalino primeiro tentou fechar a porta do elevador. Não deu. Vencido, tentou abrir caminho entre os jornalistas e fotógrafos, para fugir, quando a pergunta estourou, alto e bom som:
- Senhor Presidente, o que o Senhor tem a dizer sobre a Gaiola das Loucas do Escritório do Rio de Janeiro?
- O senhor vai demitir mesmo 300 empregados? Quantos vão ser demitidos em Goiânia?
Acossado e sem possibilidade de escape, dado o cerco armado, Dr. Natalino falou por 10 minutos, tudo negando e atribuindo os boatos a tentativas de desestabilizar sua Administração. Falou de abertura, transparência e democracia, palavras mágicas naquela época. Mas não deixou por menos. Acusou forças retrógradas, dentro da Empresa, que lutavam contra esses avanços. Eu e Vergílio a tudo assistíamos, longe das vistas do Presidente, claro. E saboreamos nossa estratégia.
Bom, não preciso dizer o humor do Presidente, na abertura da reunião com os empregados. Na primeira fila, eu e Vergílio. Após nos fuzilar com o olhar, ele abordou a Nota, segundo ele mentirosa, que tínhamos distribuído. Repetiu que tudo não passava de boatos e que não tinha tempo a perder com fofocas sem fundamento. Disse tudo isso sem despregar os olhos de nós dois.
Ainda insistimos numa reunião só coma CONAE, mas ele mandou dizer que não se reunia com irresponsáveis. Desistimos. No outro dia, as manchetes dos jornais com a negativa do Presidente circularam o Brasil inteiro.
Se houve mesmo ou não a "Gaiola das Loucas", não sei. Mas, a partir dali, o assunto foi definitivamente sepultado. E o Diretor-Presidente passou a não mais anunciar suas visitas, com antecedência, optando por chegar apenas com o conhecimento do Superintendente.
------------------------------------------
* Nome fictício