O soldado tocando corneta,
O coxo arrastando uma maleta,
A mulher batendo no menino,
O palhaço fingindo ser perneta,
A beata, a bela e o proxeneta,
Em desespero, alguém reza e canta um hino.
Um alegre, um triste, um de veneta,
Aleijados, mancos e manetas.
Sineiro da matriz, toque seu dobre!
Sons furtivos de longe clarineta,
E o pedreiro insistindo com a marreta.
Silêncio! Adiante segue um pobre.
Choram Lia, Tiana e Marieta
Pelo corpo jogado na valeta
E o cheiro de cachaça na bodega.
Os escritos mofados na gaveta
São lembranças, são tiros de espoleta,
Vinho azedo no fundo da velha adega.
O que fugiu voltou, virou poeta.
A feia se vingou, é arquiteta.
De onde vêm, agora, essas lembranças?
E o jogo de pião? E a caixeta?
Me deram de presente uma caneta,
Mas quem? Quem são essas crianças?
Alguém caiu. Não pisem na muleta!
Coroa do santo, chifre do capeta
E o andor e a cruz das procissões!
Passa um, passam dois e passa vaca sem tetas.
E abram as salas, os salões e as saletas!
E tragam as fotos antigas das missões!
Mas o pranto já embaça essa luneta.
Nem velhos, nem meninos, nem sarjeta.
Só abraços de partida, mil adeuses,
Cenas turvas, tela cinza e preta,
Fumaça, neblina, silhueta,
Meninas morenas da infância, mitos, deuses.
Lembranças esparsas, tostões, gorjeta
De um tempo feliz que se projeta
E me mata de dor muitas vezes.
Inda que tente transpor a mureta,
Já não ouço a banda da retreta,
Vou bebendo, da vida, seus reveses.
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(Brasília, mar/2003. De vez em quando, o poeta tem de parar para fazer os devidos registros. Afinal, ele é o escrivão do cartório da vida.)
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