sexta-feira, maio 18, 2007

Morcego-Arraia

Acampamento do projeto Palmeirópolis, 1985. No barraco dos NM (nível médio), mais de dez técnicos. Juntos, essa cambada parecia um bando de crianças. Toda noite tinha azaração pra cima de alguém. Nunes era um dos “cristos” preferidos, por ele ser muito paciente e inocente. Essa foi bolada pelo Barbalho, que naquele dia tinha matado uma vaca, para abastecer o acampamento.
Ao descarnar o pobre animal, o Barbalho notou que a abatida tinha uma vagina avantajada, imensa mesmo, parecendo uma arraia, segundo suas próprias palavras. Imediatamente uma idéia sarcástica lhe veio à mente e, sem perda de tempo, passou a executá-la, convocando os préstimos e a conivência dos demais colegas de barraco, claro. Antes, bezuntou a "arraia" com o material retirado dos intestinos da finada, para tornar o plano ainda mais escatológico.
Conservou a peça rara na geladeira, devidamente preparada e quando foi no final da tarde, antes que a turma das picadas retornasse, já havia um esquema de roldana, discretamente montado sobre a cama do Nunes. Adivinhem o que havia na ponta da corda que circulava pela roldana? Isso mesmo... A dita cuja, retirada da vaca. A outra ponta ficava ao lado da cama do Barbalho, de modo que bastava soltá-la um pouco, para que ela descesse na vertical, exatamente sobre o travesseiro da cama do pobre do Nunes.
Na hora do jantar, visando a criar um clima, os técnicos coniventes comentam que um bando de morcegos entrara no barraco no final da tarde. Barbalho e Zé do Egito confirmam tudo, acrescentando que eles não se preocupassem porque foi feita uma “desmorcegação”, com creolina, logo em seguida, de modo que estava tudo “limpo”.
Enquanto o Nunes jantava, um emissário colocou quatro pilhas sob os pés da cama do coitado, dentro do plano previamente traçado. Por volta das 20h00, após o jogo de truco, a turma retornou ao barraco, para o merecido repouso. Menos de cinco minutos depois, ouviu-se o estrondo da cama do Nunes arriando e ele se lamentando, com aquela paciência que Deus lhe deu:
- Isso é coisa do Barbalho!
- Que é isso Nunes? Se tem alguém aqui que lhe protege sou eu. Agora que tu tá com um azar da porra hoje, isso tá. Com tanta cama aqui, neguinho escolheu logo a sua!
Todos concordaram que era um puta azar ser o escolhido.
Seguindo o costume do acampamento, às 21h00 o gerador a diesel foi desligado e as luzes se apagaram. Alguém comentou displicentemente:
- Será que os morcegos foram mesmo embora?
Expectativa geral.
Barbalho, com muita calma e maestria desliza a corda, bem devagarzinho, calculando, mentalmente, a altura. De repente, o Nunes dá um grito e um salto da cama, todo alvoroçado:
- Acende a vela! Acende a vela! Tem um morcego aqui! Passou bem rente do meu travesseiro. Puta que pariu! O bicho é imenso... E fede que só!
Todo mundo sacou as lanternas e uma vela foi acesa, no meio do riso geral, porém nada foi visto. É claro que ninguém iluminou o telhado sobre a cama da vítima. Por fim, concluíram que tinha sido impressão dele e se recolheram novamente, se deliciando com a brincadeira. Nunes não se conformava:
- Impressão o que, porra? Eu dei um tapa nele! O bicho é enorme, não tô falando?
Cinco minutos e novo estardalhaço:
- Tá aqui, gente, tá aqui de novo! O porra esbarrou no meu rosto... É gelado e fedorento... Que nojo! Dei outro tapa nele...
A turma ria a não se aguentar e o Nunes começou a desconfiar. E nada de localizarem o morcego! Depois da quarta ou quinta vez, ele ficou com a lanterna na mão e acendeu de repente, flagrando o vulto descendo sobre sua cama. Levou um susto maior ainda, pensando ser uma caranguejeira. Na confusão, Barbalho soltou o mecanismo de vez, para se livrar da prova do crime e aquela “arraia” gelada e fedorenta plantou bem no peito do apavorado Nunes. Ele fez um movimento tão violento sobre a cama, que o lastro de ripas finas se partiu e foi aquela zorra no quarto. Nego ria de doer a barriga!
Enfurecido, Nunes partiu pra cima do Barbalho, que se estrebuchava de rir, deitado. Resultado: mais uma cama se partiu... Daí a confusão se generalizou e foi preciso o Zeca Mato Grosso, chefe do projeto, ir lá exigir silêncio. No outro dia tinha quatro camas imprestáveis. Zeca estabeleceu que eles mesmos arcassem com as despesas dos reparos.
Nessa noite, o pobre do Nunes não dormiu, lavando o rosto com álcool, para tirar a inhaca da “arraia” que se impregnara em sua pele.
A partir daí, todos os dias em que se matava uma vaca, nêgo não dormia antes de esquadrinhar o teto do barraco, para ver se tinha “morcego-arraia” escondido.

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