domingo, maio 20, 2007

Aliança acusadora

Renan, nome fictício, era um geólogo de pouco tempo de casamento, mas que não perdoava uma aventura amorosa, mesmo que passageira, em seus dias de campo, pelo interior de Goiás, década de 80. Era pintar a oportunidade, ele embarcava, sem sentimento de culpa. Esse seu ponto fraco acabará destruindo seu casamento, mas na época do causo aqui narrado, 1983, ele levava tudo numa boa. Ensinava que o segredo para manter o casamento era negar tudo, sempre. Sob a evidência mais escandalosa, o negócio era fazer cara de vítima e negar... Negar até morrer, ele dizia. E ia levando a vida.
Estava numa cidadezinha garimpeira, num fim de tarde de domingo, fazendo happy hour, com outro colega geólogo, num barzinho de má fama, freqüentado também pelas “moças” que vinham de Goiânia, atraídas pela grana dos garimpeiros.
De repente, entram duas morenas lindíssimas, acompanhadas por alguns rapazes da cidade e ocupam a mesa ao lado. Uma das beldades ficou bem de frente para o Renan, que não perdeu tempo. Uma frenética troca de olhares e sinais furtivos teve início. Assim que a morena começou a corresponder aos olhares, com aquele sorrisinho maroto, Renam, instintivamente, tira a aliança e coloca no bolso da camisa.
Decorridos cerca de 40 minutos, o grupo da mesa das morenas se levanta para ir embora, porém ao passar rente à mesa do Renan, uma delas fez um discreto sinal de “espere” com as mãos, sinalizando que voltaria. Renan agradeceu aos céus e resolveu pagar pra ver. De fato, menos de 15 minutos após, as garotas retornaram e se aboletaram na mesa dos dois geólogos, ávidas para tomarem umas cervejinhas e "otras cositas". Daí pra frente foi do jeito que o diabo gosta...
Segunda-feira, seis da manhã. Renan acorda, com o sol no quarto, uma puta dor de cabeça, sede de retirante e aquele gosto de sola de sapato na boca. A popular ressaca.
Lentamente, vai recuperando as lembranças e reconstitui a farra da noite passada.
- Fazer o quê? Pensava. Nada que um dia de trabalho no campo não cure.
Renan era acostumado a esses embalos e tirava de letra, sempre argumentando que uma boa causa valia qualquer sacrifício. Era jovem e tinha uma saúde de ferro. Tomou um banho frio, um velho e bom engov, mandou uma prato de carne de sol com mandioca e ovo frito, um suco de laranja e estava no ponto, pronto pra outra.
Ao procurar a aliança no bolso da camisa, porém, não encontrou. Revirou o bolso, mas lá só havia sua carteira de identidade e uns trocados. Nos bolsos da calça também não havia nada. Sem perda de tempo, pagou o mico de acordar o garçom do bar para procurar no salão, onde se lembra de ter dançado umas lambadas com a morena. Mas, nada. A aliança foi, definitivamente, perdida.
Sem jeito a dar, Renan se conformou, mas ficou chateado, porque seria bastante desagradável ter de inventar histórias para a esposa. Algo dentro dele lhe advertiu que dessa vez o bicho ia pegar. Os dias se passaram e finalmente ele retornou para o “lar”, após quase trinta dias de ausência. No caminho, vinha decorando cada detalhe da justificativa que daria para a mulher. E assim foi.
Renan foi direto ao assunto.
- Querida, tenho uma notícia desagradável! Perdi minha aliança.
Entre surpresa e desconfiada, a esposa perguntou:
- Como assim?
- Pois é... Tive de fazer uns perfis eletromagnéticos terrestres, usando um equipamento supersensível... Daí, no primeiro dia, vi que a aliança estava alterando as leituras e tirei. Botei no bolso da calça, esqueci depois e mandei lavar... Quando me lembrei e fui atrás da lavadeira, já era tarde... Deve ter caído no córrego onde ela lavou.
Ingênua, a esposa acreditou que havia de fato, tal aparelho, pois sempre ouvia os comentários do marido sobre levantamentos cintilométricos, gravimétricos, etc. Papo de geólogos. Certamente, o coitado agira de boa fé. De modo que, passada a surpresa, tudo voltou ao normal e Renan suspirou aliviado. No dia seguinte, comprou um par de alianças novo e o ambiente em casa seguiu tranqüilo e sereno.
Uma semana depois, quando veio em casa almoçar, Renan encontra a esposa tão brava que nem beijinho de cumprimento teve. Foi logo perguntando:
- Como foi mesmo que você perdeu a aliança, heim?
Naquele exato momento, Renan sentiu que seu casamento já era. Com grande esforço para manter a coerência, tenta repetir a história do aparelho supersensível, mas ao terminar, a esposa lhe exibe a dita cuja, na palma da mão, fazendo grande deboche. Isso mesmo, a aliança perdida estava ali, na sua frente, na mão da esposa. Mas como???
- Seu mentiroso sem-vergonha! E eu, feito uma tonta, ainda acreditei! Tá aqui sua aliança... Tava dentro do plástico da identidade. Certamente tu botou no bolso, pra enganar suas nêgas e depois achou que caiu... Mas na verdade ela ficou escondida na abertura do plástico da identidade. Sabe o que é isso? Castigo de Deus.
À medida que falava, a esposa se inflamava e Renan via a vaca ir pro brejo, ou melhor, o casamento ir pro brejo.
- Agora tá aqui ó... A tua aliança velha e a nova também... Faça bom proveito. Eu não vou usar mais porque tu não merece.
Respirando fundo, Renan tentou ser firme.
- Eu disse e sustento que só tirei para não prejudicar o levantamento técnico. Daí, se ela ficou presa na identidade ou se caiu do bolso da calça, não interessa. Para mim estava perdida. E você acredite se quiser.
Voltou pro trabalho sem almoçar. Dois anos depois, estavam oficialmente desquitados. Naquela época, primeiro se desquitava, pra depois vir o divórcio. Mas ele sempre lembra que aquele episódio foi definitivo pra a separação, porque a partir dali perdeu e confiança da mulher. Ela, que já era desconfiada, passou a ver chifre em cabeça de cavalo e o ambiente tornou-se cada vez mais insustentável. E ele continuou aprontando tantas, que nem discutiu quando ela disse que queria se separar.
Do episódio, ele forjou uma máxima, que ainda hoje usa, para aconselhar geólogos recém-casados: “Cuidado! A aliança que une é a mesma que separa.”
Taí uma advertência de quem sabe das coisas.

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