O nome é fictício, mas o personagem é real. Gelão. Guarde bem esse nome. Carioca, negão, com toda a pinta e ginga da raça. Bom de samba, bonachão, um eterno sorriso nos lábios, paciente, sempre a cantarolar. Cerca de 1,80 m de altura, por 1,50m de largura, chegou a pesar 150 Kg, mas apesar do seu corpanzil, era uma moça no trato com as pessoas. Brincadeira era com ele mesmo.
Casado com uma baiana, de apelido Maguinha, eles formavam um par ímpar, se é que me entendem. Ela braba, feito siri na lata, o negão tranqüilo, feito uma lesma cansada, e assim tocavam a vida.
Este causo é verdadeiro e aconteceu no acampamento de Palmeirópolis (na época Goiás, hoje Tocantins), onde era encarregado de sondagem. Aliás, com grande competência. Com seu porte físico, Gelão era de uma força descomunal. Sozinho, colocava uma bomba de água (mais ou menos 100 Kg) na carroceria de uma picape e por isso era, muitas vezes, explorado pelos colegas.
Certo dia chegou ao acampamento um novo engenheiro, para acompanhar os trabalhos de sondagem no projeto. Querendo dar seu toque pessoal, esse engenheiro, na primeira manhã de sua chegada, após inspecionar o depósito, o escritório e a oficina da sondagem, chama o Gelão para determinar algumas mudanças.
- Seu Josiel, assim que puder, o Senhor providencie a mudança dessa bomba daqui para aquele canto ali, para otimizarmos a utilização do espaço. O senhor me entende não é?
- Pois não, Doutor.
Para espanto do engenheiro, Gelão se atracou com a bomba e em um minuto a dita cuja já estava no local indicado. Na verdade, o engenheiro não determinou que ele, o Josiel em pessoa, pegasse a bomba. Determinou, pensando que o negão passasse a tarefa para alguns braçais. Daí seu espanto.
Mas também, diga-se, ficou satisfeito, por ver a força e a disposição do seu encarregado de sondagem. Este, cumprida a tarefa, voltou ao escritório onde geralmente passava o dia nos intermináveis boletins de controle das várias sondas em operação.
Daí mais ou menos 30 minutos, o engenheiro chama:
- Seu Josiel! Dê um pulinho aqui, por favor!
Lá vem o negão, com toda a presteza que Deus lhe deu.
- Pois não, Doutor.
- Seu Josiel, pensando bem, aquela bomba ali não ficou legal. Está atrapalhando a circulação. Me faça o favor de deslocá-la lá praquele outro canto. Ali ficará melhor.
- O Senhor manda Doutor.
E Gelão, agora em dois minutos, colocou a bomba no outro canto, exatamente onde o engenheiro mandou. Saiu rápido, com a mão no quadril, suando em bicas pro escritório, pois precisava preparar um material para levar a uma das frentes de sondagem.
Como tinha suado muito, resolveu tomar um banho, antes de por o macacão. Enrolou-se nas suas conhecidíssimas duas tolhas e se encaminhou ao banheiro. Deixa explicar o porquê das duas toalhas. É que, como o negão era muito largo, uma toalha só, não cobria a circunferência de sua cintura. Daí a Maguinha emendava duas toalhas, para não deixar seu nego com as coisas de fora.
Quando Gelão já estava perto do chuveiro, novo apelo:
- Seu Josiel! Acho que fiz besteira. Venha aqui, por favor.
Mesmo com toda a paciência, o negão começou a se irritar. - Que porra esse cara está querendo?
Bufando, desistiu do banho e foi atender ao engenheiro:
- O que foi Doutor? (A cordialidade já não era a mesma).
- Seu Josiel, veja que besteira! Aquele foi o pior lugar possível para ancorar a bomba. Bem na frente dos sacos de bentonita! Temos que tirar dali. Acho que mais pra lá, embaixo da janela, resolvemos o problema. Dá pra fazer esse favorzinho?
Dessa vez, Gelão levou uns bons três minutos até acomodar a bomba em sua nova posição.
- Mais alguma coisa doutor? Estou indo pra sonda.
- Não, seu Josiel. Muito obrigado. Pode ir sossegado.
Tomado banho, o negão já ia entrando na picape, os rins doendo pra caramba, quando novo chamado o convoca de volta à oficina.
Gelão respirou fundo uns trinta segundos, para se controlar, foi ao escritório e de lá se dirigiu à oficina, com um papel e uma caneta na mão. À porta do barraco, desabafou:
- Olha aqui Doutor, eu estou muito atarefado e já estou com os rins em frangalhos por causa dessa sua implicância de mudar essa porra de lugar de cinco em cinco minutos. Aqui está uma planta da oficina. O senhor, por favor, marque todos os locais onde devo colocar essa merda, que eu vou fazer o rodízio uma vez por dia, até o Senhor se satisfazer. Agora, me desculpe, mas tenho de ir.
- Não seu Josiel. Calma! Não é nada disso. Ali embaixo da janela ficou legal. Não pretendo mais mudar a bomba de lugar. Só chamei o Senhor, porque me esqueci de entregar esses queijos que D. Maguinha mandou de Goiânia pro Senhor. Como me disseram que o Senhor gosta muito, trouxe também esses abacaxis de Jaraguá. Tome!
O negão ficou feito uma gelatina, se desmilinguindo todo, sem saber o que dizer. Só lhe ocorreu isso:
- Doutor, acho que ali na janela, pode entrar água da chuva. Não será melhor tirar a bomba dali logo agora, antes que chova?
- Nada disso, seu Josiel, ali está ótimo. Agora se o senhor quiser dividir os queijos comigo, eu aceito um pedacinho.
- Ainda bem que o Senhor gosta. Essa Maginha tá mesmo ficando lelé. Nunca gostei de queijo. Não sei de onde ela tirou essa idéia. Pode ficar com os dois queijos. Agora eu sou louco mesmo é por abacaxi.
- Se é assim, aceito. Muito obrigado. Leve os abacaxis.
No meio do caminho pra sonda, Gelão dirigindo a Toyota, não agüentava olhar pros abacaxis, que a lembrança dos queijos lhe mortificava a alma. O negão era tarado por queijo. Há mais de vinte dias que não mordia um. Babava só de lembrar da besteira que fizera. Tinha que se livrar daqueles malditos abacaxis. Parou na casa do Cunha, um fazendeiro da região e chamou Gentileza, uma de suas filhas:
- D. Gentileza, passei na cidade ontem e trouxe esses abacaxis pra Senhora.
O negão sabia ser cortês. Gentileza, a filha, ficou feito pudim, com a gentileza, a atitude, do negão.
-Muito obrigado seu Josiel! Não carecia! Espera um momentinho.
Foi lá dentro e voltou com dois queijos frescos na mão.
- Tome seu Josiel, para o senhor merendar. Acabei de fazer.
Se quiser tirar a prova, Gentileza inda mora no mesmo lugar, lá depois do Mocambinho.
No caminho da sonda, enquanto beliscava os queijos, fagueiro e lépido, Gelão filosofava, com um sorriso maroto: “Quem semeia abacaxis colhe queijos”. Será?
Casado com uma baiana, de apelido Maguinha, eles formavam um par ímpar, se é que me entendem. Ela braba, feito siri na lata, o negão tranqüilo, feito uma lesma cansada, e assim tocavam a vida.
Este causo é verdadeiro e aconteceu no acampamento de Palmeirópolis (na época Goiás, hoje Tocantins), onde era encarregado de sondagem. Aliás, com grande competência. Com seu porte físico, Gelão era de uma força descomunal. Sozinho, colocava uma bomba de água (mais ou menos 100 Kg) na carroceria de uma picape e por isso era, muitas vezes, explorado pelos colegas.
Certo dia chegou ao acampamento um novo engenheiro, para acompanhar os trabalhos de sondagem no projeto. Querendo dar seu toque pessoal, esse engenheiro, na primeira manhã de sua chegada, após inspecionar o depósito, o escritório e a oficina da sondagem, chama o Gelão para determinar algumas mudanças.
- Seu Josiel, assim que puder, o Senhor providencie a mudança dessa bomba daqui para aquele canto ali, para otimizarmos a utilização do espaço. O senhor me entende não é?
- Pois não, Doutor.
Para espanto do engenheiro, Gelão se atracou com a bomba e em um minuto a dita cuja já estava no local indicado. Na verdade, o engenheiro não determinou que ele, o Josiel em pessoa, pegasse a bomba. Determinou, pensando que o negão passasse a tarefa para alguns braçais. Daí seu espanto.
Mas também, diga-se, ficou satisfeito, por ver a força e a disposição do seu encarregado de sondagem. Este, cumprida a tarefa, voltou ao escritório onde geralmente passava o dia nos intermináveis boletins de controle das várias sondas em operação.
Daí mais ou menos 30 minutos, o engenheiro chama:
- Seu Josiel! Dê um pulinho aqui, por favor!
Lá vem o negão, com toda a presteza que Deus lhe deu.
- Pois não, Doutor.
- Seu Josiel, pensando bem, aquela bomba ali não ficou legal. Está atrapalhando a circulação. Me faça o favor de deslocá-la lá praquele outro canto. Ali ficará melhor.
- O Senhor manda Doutor.
E Gelão, agora em dois minutos, colocou a bomba no outro canto, exatamente onde o engenheiro mandou. Saiu rápido, com a mão no quadril, suando em bicas pro escritório, pois precisava preparar um material para levar a uma das frentes de sondagem.
Como tinha suado muito, resolveu tomar um banho, antes de por o macacão. Enrolou-se nas suas conhecidíssimas duas tolhas e se encaminhou ao banheiro. Deixa explicar o porquê das duas toalhas. É que, como o negão era muito largo, uma toalha só, não cobria a circunferência de sua cintura. Daí a Maguinha emendava duas toalhas, para não deixar seu nego com as coisas de fora.
Quando Gelão já estava perto do chuveiro, novo apelo:
- Seu Josiel! Acho que fiz besteira. Venha aqui, por favor.
Mesmo com toda a paciência, o negão começou a se irritar. - Que porra esse cara está querendo?
Bufando, desistiu do banho e foi atender ao engenheiro:
- O que foi Doutor? (A cordialidade já não era a mesma).
- Seu Josiel, veja que besteira! Aquele foi o pior lugar possível para ancorar a bomba. Bem na frente dos sacos de bentonita! Temos que tirar dali. Acho que mais pra lá, embaixo da janela, resolvemos o problema. Dá pra fazer esse favorzinho?
Dessa vez, Gelão levou uns bons três minutos até acomodar a bomba em sua nova posição.
- Mais alguma coisa doutor? Estou indo pra sonda.
- Não, seu Josiel. Muito obrigado. Pode ir sossegado.
Tomado banho, o negão já ia entrando na picape, os rins doendo pra caramba, quando novo chamado o convoca de volta à oficina.
Gelão respirou fundo uns trinta segundos, para se controlar, foi ao escritório e de lá se dirigiu à oficina, com um papel e uma caneta na mão. À porta do barraco, desabafou:
- Olha aqui Doutor, eu estou muito atarefado e já estou com os rins em frangalhos por causa dessa sua implicância de mudar essa porra de lugar de cinco em cinco minutos. Aqui está uma planta da oficina. O senhor, por favor, marque todos os locais onde devo colocar essa merda, que eu vou fazer o rodízio uma vez por dia, até o Senhor se satisfazer. Agora, me desculpe, mas tenho de ir.
- Não seu Josiel. Calma! Não é nada disso. Ali embaixo da janela ficou legal. Não pretendo mais mudar a bomba de lugar. Só chamei o Senhor, porque me esqueci de entregar esses queijos que D. Maguinha mandou de Goiânia pro Senhor. Como me disseram que o Senhor gosta muito, trouxe também esses abacaxis de Jaraguá. Tome!
O negão ficou feito uma gelatina, se desmilinguindo todo, sem saber o que dizer. Só lhe ocorreu isso:
- Doutor, acho que ali na janela, pode entrar água da chuva. Não será melhor tirar a bomba dali logo agora, antes que chova?
- Nada disso, seu Josiel, ali está ótimo. Agora se o senhor quiser dividir os queijos comigo, eu aceito um pedacinho.
- Ainda bem que o Senhor gosta. Essa Maginha tá mesmo ficando lelé. Nunca gostei de queijo. Não sei de onde ela tirou essa idéia. Pode ficar com os dois queijos. Agora eu sou louco mesmo é por abacaxi.
- Se é assim, aceito. Muito obrigado. Leve os abacaxis.
No meio do caminho pra sonda, Gelão dirigindo a Toyota, não agüentava olhar pros abacaxis, que a lembrança dos queijos lhe mortificava a alma. O negão era tarado por queijo. Há mais de vinte dias que não mordia um. Babava só de lembrar da besteira que fizera. Tinha que se livrar daqueles malditos abacaxis. Parou na casa do Cunha, um fazendeiro da região e chamou Gentileza, uma de suas filhas:
- D. Gentileza, passei na cidade ontem e trouxe esses abacaxis pra Senhora.
O negão sabia ser cortês. Gentileza, a filha, ficou feito pudim, com a gentileza, a atitude, do negão.
-Muito obrigado seu Josiel! Não carecia! Espera um momentinho.
Foi lá dentro e voltou com dois queijos frescos na mão.
- Tome seu Josiel, para o senhor merendar. Acabei de fazer.
Se quiser tirar a prova, Gentileza inda mora no mesmo lugar, lá depois do Mocambinho.
No caminho da sonda, enquanto beliscava os queijos, fagueiro e lépido, Gelão filosofava, com um sorriso maroto: “Quem semeia abacaxis colhe queijos”. Será?
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