A CPRM alugava a casa de Nezinho do Pneu em Mossoró, lá pelos idos de 85. Nezinho era uma pessoa tranqüila, até que não lhe pisassem nos calos. Sua fama corria chão naqueles sertões bravios. Quando saía do sério, desafiava até o bicho de rabo, segundo suas próprias palavras.
No momento, estava preso “por uma besteira”, conforme dizia. Só porque resolveu ver como era, por dentro, o fígado de Marrueiro, um matuto metido a besta lá das bandas do Cariri de meu Deus. Uma tarde infeliz, esse tal de Marrueiro, que Deus o tenha, depois de tomar umas bicadas, influenciado por más companhias, desafiou Nezinho, que lhe fora cobrar cinco mirréis do concerto de um pneu, feito há mais de ano:
- Devo e não nego, tás entendendo? Pago quando Deus der bom tempo, como se diz lá na minha terra.
- É mesmo seu desinfeliz? Quer que Deus lhe dê bom tempo, é? Pois vou lhe dar a oportunidade de se entender diretamente com Ele e é agorinha mesmo. Você peça a Ele seu bom tempo, dê minhas lembranças e mande de lá meus cinco mirréis, seu cara de quenga!
Enfiou uma Tramontina de 15 polegadas no bucho de Marrueiro, antes que ele tivesse tempo de dizer ao menos um ai. Só tirou a peixeira quando o último suspiro foi exalado. Limpou a lâmina na camisa do defunto e falou com a naturalidade de quem tivesse acabado de assistir a uma missa:
- Não queria ver o Home? E apois?
Guardou a arma na cintura, encostou-se no balcão e ficou tomando bicada até a chegada do delegado. Os amigos se escafederam e só ficaram in loco, Nezinho, o dono da venda e defunto.
-Tás vendo? Só por essa besteira me enjaularam aqui, até Deus sabe quando!
Esse era Nezinho do Pneu.
Da cadeia mesmo, deu queixa ao Juiz, em razão do atraso da CPRM de seis meses do aluguel de sua casa. O Juiz chama a CPRM para a primeira tentativa de acerto amigável. O advogado Marcelo (nome fictício) sai do Rio de Janeiro para Mossoró, com o objetivo de tranqüilizar Nezinho. Visita-lhe na prisão e lhe garante que em trinta dias, no máximo, tudo estará regularizado. Bom de lábia como o Marcelo, há poucos. Nezinho confiou e considerou o assunto encerrado.
Um ano depois, Nezinho ainda preso, entrou com uma ação formal contra a CPRM. Não recebera um tostão da promessa do Marcelo. Queria, porque queria, a casa de volta, além dos atrasados com juros e correção monetária e custas.
Uma nova audiência de conciliação é marcada. Marcelo liga para Gil, nome também fictício, advogado recém-contratado da Superintendência de Recife:
- Gibinha, quebre meu galho. Vá nessa audiência de Mossoró em meu lugar. Tente rolar com a barriga. Vai ser coisa rápida. O homem é um simplório. Peça trinta dias de prazo e fim de papo.
“Gibinha” não sabia de nada, do encontro antecedente, nem da fama de Nezinho do Pneu.
Na data e hora marcada, Gil entra na sala de audiências, onde Nezinho já se encontrava, trazido que fora diretamente da cadeia.
Detalhe que intrigou os presentes: Nezinho estava sentado de frente para a parede e de costas para a mesa de audiências e para a porta de entrada. Quieto estava e quieto ficou, de cabeça baixa.
Estabelecido o constrangimento, ante a cena inusitada, o Juiz pede, com delicadeza, para o Nezinho se virar, para o início da audiência.
- Seu juiz vai me perdoar, mas eu não quero me virar não, pra não ver a cara desse sujeito.
- Ora, seu Nezinho, o que é que tem? Vocês precisam se entender! Para isso, só conversando olho no olho.
- Esse cabra esteve aqui um ano atrás e me prometeu entregar a casa em 30 dias. Até hoje espero. Da cara dele já me esqueci. Só me lembro que fumava um cachimbo fedorento, tinha um bigode de cabra sem-vergonha, usava um colete de home mofino e era branco que nem dentadura de rapariga. Se olhar pra ele agora, nunca mais vou esquecer a cara nojenta dele e vou querer comer a língua dele à cabidela. Eu não quero cometer mais um crime Doutor, por isso me deixa nessa posição mesmo.
Gil, para o juiz, completamente aturdido:
- Mas eu nunca vi esse senhor na minha vida! Além do mais, não uso colete, não fumo cachimbo, sou moreno e não tenho bigode.
Nezinho então se vira:
-Oxente! Então desculpa! De você ainda não tenho raiva não senhor. Apois nem lhe conheço! Pensei que era o bixiguento que teve aqui um ano atrás.
E a audiência por fim, rolou, sem maiores problemas.
Uma semana depois, Nezinho, através de seus prepostos, recebeu sua casa, sem confusão e sem mais delongas.
No momento, estava preso “por uma besteira”, conforme dizia. Só porque resolveu ver como era, por dentro, o fígado de Marrueiro, um matuto metido a besta lá das bandas do Cariri de meu Deus. Uma tarde infeliz, esse tal de Marrueiro, que Deus o tenha, depois de tomar umas bicadas, influenciado por más companhias, desafiou Nezinho, que lhe fora cobrar cinco mirréis do concerto de um pneu, feito há mais de ano:
- Devo e não nego, tás entendendo? Pago quando Deus der bom tempo, como se diz lá na minha terra.
- É mesmo seu desinfeliz? Quer que Deus lhe dê bom tempo, é? Pois vou lhe dar a oportunidade de se entender diretamente com Ele e é agorinha mesmo. Você peça a Ele seu bom tempo, dê minhas lembranças e mande de lá meus cinco mirréis, seu cara de quenga!
Enfiou uma Tramontina de 15 polegadas no bucho de Marrueiro, antes que ele tivesse tempo de dizer ao menos um ai. Só tirou a peixeira quando o último suspiro foi exalado. Limpou a lâmina na camisa do defunto e falou com a naturalidade de quem tivesse acabado de assistir a uma missa:
- Não queria ver o Home? E apois?
Guardou a arma na cintura, encostou-se no balcão e ficou tomando bicada até a chegada do delegado. Os amigos se escafederam e só ficaram in loco, Nezinho, o dono da venda e defunto.
-Tás vendo? Só por essa besteira me enjaularam aqui, até Deus sabe quando!
Esse era Nezinho do Pneu.
Da cadeia mesmo, deu queixa ao Juiz, em razão do atraso da CPRM de seis meses do aluguel de sua casa. O Juiz chama a CPRM para a primeira tentativa de acerto amigável. O advogado Marcelo (nome fictício) sai do Rio de Janeiro para Mossoró, com o objetivo de tranqüilizar Nezinho. Visita-lhe na prisão e lhe garante que em trinta dias, no máximo, tudo estará regularizado. Bom de lábia como o Marcelo, há poucos. Nezinho confiou e considerou o assunto encerrado.
Um ano depois, Nezinho ainda preso, entrou com uma ação formal contra a CPRM. Não recebera um tostão da promessa do Marcelo. Queria, porque queria, a casa de volta, além dos atrasados com juros e correção monetária e custas.
Uma nova audiência de conciliação é marcada. Marcelo liga para Gil, nome também fictício, advogado recém-contratado da Superintendência de Recife:
- Gibinha, quebre meu galho. Vá nessa audiência de Mossoró em meu lugar. Tente rolar com a barriga. Vai ser coisa rápida. O homem é um simplório. Peça trinta dias de prazo e fim de papo.
“Gibinha” não sabia de nada, do encontro antecedente, nem da fama de Nezinho do Pneu.
Na data e hora marcada, Gil entra na sala de audiências, onde Nezinho já se encontrava, trazido que fora diretamente da cadeia.
Detalhe que intrigou os presentes: Nezinho estava sentado de frente para a parede e de costas para a mesa de audiências e para a porta de entrada. Quieto estava e quieto ficou, de cabeça baixa.
Estabelecido o constrangimento, ante a cena inusitada, o Juiz pede, com delicadeza, para o Nezinho se virar, para o início da audiência.
- Seu juiz vai me perdoar, mas eu não quero me virar não, pra não ver a cara desse sujeito.
- Ora, seu Nezinho, o que é que tem? Vocês precisam se entender! Para isso, só conversando olho no olho.
- Esse cabra esteve aqui um ano atrás e me prometeu entregar a casa em 30 dias. Até hoje espero. Da cara dele já me esqueci. Só me lembro que fumava um cachimbo fedorento, tinha um bigode de cabra sem-vergonha, usava um colete de home mofino e era branco que nem dentadura de rapariga. Se olhar pra ele agora, nunca mais vou esquecer a cara nojenta dele e vou querer comer a língua dele à cabidela. Eu não quero cometer mais um crime Doutor, por isso me deixa nessa posição mesmo.
Gil, para o juiz, completamente aturdido:
- Mas eu nunca vi esse senhor na minha vida! Além do mais, não uso colete, não fumo cachimbo, sou moreno e não tenho bigode.
Nezinho então se vira:
-Oxente! Então desculpa! De você ainda não tenho raiva não senhor. Apois nem lhe conheço! Pensei que era o bixiguento que teve aqui um ano atrás.
E a audiência por fim, rolou, sem maiores problemas.
Uma semana depois, Nezinho, através de seus prepostos, recebeu sua casa, sem confusão e sem mais delongas.
..........................................................................................
(Esse causo me foi narrado, recentemente, por um dos protagonistas. É como se diz lá na minha terra: não há fato que resista a um bom argumento).
Nenhum comentário:
Postar um comentário