sábado, junho 30, 2007

Espetos da paz

Zé Honório era o motorista de Zeca Mato Grosso, o chefe do projeto Palmeirópolis. Excelente profissional, mas um tremendo puxa-saco. Para agradar ao chefe, não perdia oportunidade. Essa, por exemplo, aconteceu no clube da ASSEME – Associação dos Empregados do Ministério de Minas e Energia, de Goiânia, que congregava servidores da CPRM, DNPM, Projeto Radam, Nuclebras, Docegeo e Metago. Comemorava-se o dia do geólogo, em um domingo de sol e céu azul de 1980. Zeca e Vergílio ficaram responsáveis pelo churrasco. E Zeca convocou seu motorista para cuidar das carnes e ajudar na distribuição dos espetos, na hora do sufoco.
A churrasqueira ficava num pequeno box cercado de tela, um pouco afastado da área do bar e da piscina, onde se concentrava o movimento maior. Mas, tenham em mente que estamos lidando com geólogos, uma raça que não prima, exatamente, por obedecer às regras sociais, principalmente depois de uns tragos. A programação estabelecia que o churrasco fosse servido a partir das 14 horas. Contudo, desde as 11 horas começou a se formar uma aglomeração de trogloditas barbudos, copos de cachaça nas mãos, em torno da cerca de tela, tentando subornar o Zé Honório. Quando Zeca não estava por perto, Honório negociava espetos de tira-gosto, por latinhas de cerveja, mas o tumulto começou a causar perturbação, à medida que o nível alcoólico aumentava.
Por volta de 13 horas, a coisa ficou incontrolável. Nêgo metia a mão pela cerca, puxando os espetos e já estavam forçando o ferrolho da pequena porta lateral. Era só questão de tempo, a cerca viria abaixo. Parecia um bando de esfomeados. Zeca esbravejava, mas nada arredava a geologada da beira da cerca, clamando por tira-gosto.
Vendo que poderia acontecer uma tragédia, em função do fogo da churrasqueira e do estado etílico da turba, Zeca resolveu impor respeito. Tomou uma lapada, subiu num banco e cobrou responsabilidade:
- Olha aqui cambada de corno! O primeiro filadaputa que encostar a mão nessa cerca vai levar um catiripapo no meio do quengo. Depois não digam que não avisei. O churrasco só vai ser servido às 14 horas e não tem bonito nem feio que vai ser privilegiado. E vamo arredando daqui! Xô!
Nisso um gaiato do projeto Radam, já nas alturas, resolve provocar:
- E o que é que a boneca vai fazer? Vai me bater? Eu quero é picanha e é agora!
Foi dizendo e se encaminhando para a portinha da tela.
Zeca estava com um espeto (sem carne, claro) na mão. Quando o gaiato foi levando a mão para abrir o ferrolho, Zeca pegou o espeto pela lâmina e bateu com o cabo de madeira, com toda a força que Deus lhe deu, no lombo do apressadinho. Este só fez dar um gemido e se virou a tempo de receber outra porrada no peito, que lhe fez sair catando cavaco e tossindo feito um asmático.
Nem precisava dizer, mas vou dizer, que antes do engraçadinho se estrebuchar no chão, a pancadaria se generalizou. Foi garrafa, lata, copo, cadeira, braço e mão voando pra tudo que é lado. Parecia uma praça de guerra. Enquanto a maioria brigava sem saber com quem, uma pequena minoria tentava por as coisas no lugar. Entre esses, estava o Zenon, nome fictício, um geólogo negro, baixinho, que quase não tinha bebido e que fazia o possível para fazer a paz retornar. Afinal, estávamos todos ali reunidos para celebrar nossa data magna e não para medir forças.
Pois bem, como eu disse lá em cima, Zé Honório era um tremendo puxa-saco e não perdia oportunidade de aparecer para o chefe. Quando o pau quebrou, ele pegou um monte de espetos e correu para perto do Zeca, reabastecendo-o, a cada espeto perdido na confusão. Afinal, seu chefe era o alvo maior dos brigões. Entrar na briga, propriamente ele não entrou. Primeiro, porque não era do seu temperamento. Segundo, porque só tinha geólogos brigando. Vivo como ele só, pensava consigo:
- Em briga de cachorro grande, vira-lata não mete a pata.
E se contentava em reabastecer Zeca de espetos:
- Toma chefe, mete bronca!
Ele não conhecia o Zenon e estranhou quando viu aquele baixinho franzino se aproximar do chefe, com atitude resoluta. Impregnado pelos preconceitos oriundos da nossa deformação social, imaginou que o Zenon só poderia ser um motorista, como ele próprio, e jamais um geólogo. Convencido disso, dirigiu-se ao seu suposto colega, munido de um espeto afiadíssimo. Encostou-lhe o espeto na barriga, ao tempo em que lhe aplicava uma gravata, por trás:
- Olha aqui, seu cabra safado! Enquanto a briga foi entre os doutores, eu não me meti, que não sou besta. Agora, de um cabra safado como você, da minha laia, eu não tenho medo não. Se tu disser um ai, te enfio esse espeto na barriga e saio com as tripas para assar na churrasqueira e fazer tira-gosto para essa corja de passa-fome, ouviu?
Quando enfim, pode falar, Zenon se apresentou:
- Calma, seu moço! Cuidado que o espeto está me ferindo! Não sei com quem o senhor está me confundindo, mas sou um geólogo da Metago... Meu nome é Zenon e só estou querendo apartar essa briga.
Zé Honório levou um choque, como se o espeto estivesse eletrificado. Percebeu, na hora, a fria em que ia se metendo:
- O senhor é geólogo? Desculpa doutor... De fato, confundi o senhor, com um motorista da Nuclebras. Mas olha aqui, vamos lá pra dentro, que aqui alguém vai acabar machucando o senhor.
- Não! Eu estou aqui justamente para ajudar a separar os brigões.
Foi a deixa que o Zé precisava, pra limpar sua barra:
- Então toma aqui esse espeto, pra impor respeito. E pode deixar que eu vou ficar de olho. Se alguém encostar um dedo no senhor e no doutor Zeca, vai se ver comigo.
Bom, a briga rolou até as 15 horas e o churrasco foi servido às 16, na maior paz e animação. Nenhum ferido grave, todos se confraternizando, entre brindes e abraços.
O discurso de homenagem aos profissionais da data foi feito por quem? Pelo Zenon, um tremendo orador, que exaltou, em sua fala, as qualidades pacíficas e a capacidade ímpar de relacionamento dos geólogos.
No fundo da platéia, Zé Honório aplaudia, a cada pausa do orador:
- Muito bem doutor!

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