Zeca Mato Grosso baixara portaria no acampamento do projeto Palmeirópolis:
Artigo 1º: A partir dessa data, fica proibido o transporte de gueroba[1], mangas, bananas e outros comestíveis, animais vivos ou mortos e qualquer outra carga que não seja de estrito interesse do projeto, nos veículos da Companhia, em deslocamento para Goiânia.
Artigo 2º: Revoguem-se as disposições em contrário.
E Zeca tinha razões para essa medida radical. Afinal, nos dias de partida para a capital goiana, os motoristas, técnicos e sondadores, principalmente, vinham com uma tralha tão grande de “coisinhas” para levar pra casa, que às vezes não sobrava espaço no veículo, para as amostras e equipamentos de trabalho. Por mais que se pedisse, não adiantava.
E tinha o Zé Honório, nome fictício. Este era um dos campeões em levar carga comestível, para adoçar a boca da “dona onça”, como ele mesmo falava. Consciência pesada é fogo! Era motorista do Zeca e um grande puxa-saco. Fazia de tudo para agradar ao chefe e não perder o status.
Na primeira viagem para Goiânia, após a vigência da portaria, Zeca não acreditou, quando, cinco horas da manhã, Zé Honório encostou o carro no barraco, para pegar as bagagens e não havia mais espaço para nada. O Toyota estava até o topo de talos de gueroba, cuidadosamente cobertos com lona, certamente para que o chefe pensasse tratar-se de amostras. Mas, desconfiado, Zeca suspendeu a lona e decretou, com base em sua portaria:
- Nada disso! Pode tirar todas essas guerobas daí e jogar fora! No carro, só vão as amostras!
Zé Honório, pego de surpresa e sem defesa em causa própria, saiu-se com essa pérola:
- Bem doutor, na verdade, as minhas eu já tirei. Aliás, nem botei no Toyota. Essas aí, foi seu Cunha que mandou de presente para o senhor e eu achei que o senhor ia gostar, porque sei que dona Lúcia aprecia por demais um cozido de gueroba.
Zeca demorou a responder. Zé Honório pegara pesado. Não só Lúcia, sua esposa, mas ele e as crianças, todos em casa eram fãs dessa delícia do cerrado goiano, cozida em molho de açafrão. Ademais, o lance de “as minhas eu já tirei” o deixara meio desconcertado, com um sentimento de culpa não previsto.
Sentindo que o chefe dera uma amolecida, o Zé arrematou, teatral:
- Mas não tem problemas não doutor. Se o senhor não quiser, a gente tira agorinha mesmo.
A reação do Zeca foi instintiva:
- Não! Dessa vez passa. Já que tá tudo arrumado e eu tenho muita pressa, vamos deixar, para não atrasar a viagem. Mas que seja a última vez, ouviu seu Zé Honório!! A última vez!
Com um risinho disfarçado entre os lábios, o motorista deu um jeito na bagagem do chefe e partiram sem mais delongas. Desnecessário dizer que, em Goiânia, o Zeca ficou só com alguns talos, deixando 80% da carga para seu legítimo dono.
Isso é o que eu chamo de autêntico jeitinho brasileiro. Enquanto isso, a portaria, com todo o seu rigor, continuou lá, em plena vigência, pregada nas portas de todos os barracos. Isso me faz lembrar antigo superintendente da CPRM em Goiânia, que dizia:
- As leis são como as mulheres. Só se revelam por inteiro, depois de defloradas.
Será? Particularmente, prefiro não opinar, deixando a critério do leitor concordar ou não. Apenas registro.
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