sexta-feira, junho 15, 2007

O boga de seu Carmelo

Saldanha, nome fictício, era um geólogo da Superintendência da CPRM em Belo Horizonte. Tinha uma aparência sisuda, meio caladão, mas era um tremendo gozador e tirador de sarro. Na verdade, fazia o tipo “sério”, pra emprestar mais surrealismo às suas peripécias. Veja essa:
Designado para um trabalho rápido em uma área de pesquisa na região de Paracatu, deram-lhe, como auxiliar de campo, um motorista já idoso, de uma seita religiosa radical, que passava o dia inteiro sem dizer uma palavra e, o mais importante, muito ruim de serviço. Só fazia o que o chefe mandava, sem nenhuma iniciativa e ainda mal feito. Enfim, no segundo dia, o Saldanha decidiu dispensar o preguiçoso. Mas era preciso fazer o dito cujo pedir demissão, para não queimar o filme do geólogo e assustar os demais pretendentes.
Após passarem toda a manhã sem trocarem mais do que alguns monossílabos, no meio do cerrado, Saldanha aponta a sombra de uma frondosa gameleira, às margens de um riachinho de águas límpidas, para o frugal almoço de laranjas, maçãs e farofa de carne de sol. Seu Carmelo, o motorista, sentou-se a uns cinco metros, e foi degustar os quitutes do seu alforje, longe dos olhos do chefe.
Quando já estava na sobremesa, descascando uma laranja, com seu canivete suíço, tirando a casca com o cuidado de uma obra de arte para não quebrar a tira, Saldanha dá um pigarro, para chamar a atenção do motorista e, sem descuidar da casca, solta a pergunta mais estapafúrdia que se poderia imaginar, no meio daquele cerrado de meu Deus:
- Seu Carmelo!
- Pois não doutor!
- O Senhor alguma vez já deu o boga?
Seu Carmelo levou um susto como se tivesse visto uma cobra. Levantou-se, ajeitando os óculos, decerto para ver melhor a cara do perguntador inusitado.
- Como é sô?! Não tô entendendo...
Já chupando a laranja, com uma das mãos, Saldanha juntou o polegar e o indicador da outra mão, fazendo um círculo, com os demais dedos fechados e mostrando o conhecido símbolo para seu Carmelo, explicou com toda a didática que Deus lhe deu:
- O boga, seu Carmelo! O fiofó! O Zé de broquinha!
Seu Carmelo ficou com um sorriso torto nos lábios, sem saber o que dizer, mas diante do ar sério do interlocutor, achou por bem marcar posição:
- O que é isso sô? Eita conversinha besta!
Saldanha, calado estava, calado ficou, como se não tivesse feito pergunta nenhuma. Encostou-se na gameleira e fitou aqueles infinitos dos céus mineiros, a perder de vista. Seu Carmelo retirou-se para sua cisma e ficou só olhando o chefe, com o canto dos olhos, matutando o que tinha significado aquela pergunta boba.
Dali 15 minutos, emergindo de um silêncio onde se podia ouvir o roçar das asas das pequenas borboletas, o Saldanha emite novo pigarro e completa o diálogo, para espanto e pavor do pobre motorista:
- Pois é seu Carmelo! O pessoal que gosta de dar o furico, diz que o trem é bom por demais, sô! Uma gostosura que só vendo!
-Sei...
E nada mais foi dito naquele dia. A gameleira ainda está lá no mesmo lugar. Ela foi testemunha.
No dia seguinte, o administrador do acampamento, constrangido, comunicou ao Saldanha que o velho Carmelo amanhecera com uma baita crise de reumatismo e apresentou atestado de quinze dias de repouso. Para substituí-lo, indicou o Jonas, um garoto esperto, que atendeu plenamente as expectativas do Saldanha. E todos ficaram felizes. Mas o Saldanha até hoje lamenta não ter, na época, filmadora, para registrar a cara de seu Carmelo naquela tarde fatídica.
- Parecia que eu tinha lepra... Seu Carmelo não se aproximava de mim, mais de 3 metros. Só me olhando por cima dos óculos de grau, como se eu fosse o ET de Varginha.
Não disse que o cara era um artista? Essa é, ou não é, de tirar o chapéu?
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(Este causo, absolutamente verdadeiro, me foi contado pelo amigo Ribeiro, também geólogo, personagem e contador de muitos causos)

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