Retrato meu de outros tempos...
Que é feito dos cabelos fartos,
Dos cachos negros, de piche,
Revoltos, que eram fetiche,
Que eram assim, portos e partos,
Que acendiam desejos,
Que recebiam mil beijos
Na embriaguez dos quartos?
Que é feito do riso largo
Que às mulheres seduzia?
Onde a jovial alegria
Da vida sem peso e cargo,
Dos dentes de alvo Carrara,
Dos lábios de maçã rara?!
Meu riso hoje é preso, amargo...
Que é feito do olhar feliz
Que olhava a vida de frente?
Olhos de luar, dolentes,
De azeitona, brasa e giz,
Que riam antes da boca,
Que expressavam ânsia louca,
Que encantavam a meretriz?
Que é do antigo vigor?
Daqueles anos dourados,
Daquele rio encantado,
Daquelas tardes em flor,
Daquelas noites de festa,
Daquelas tristes serestas,
Do meu fugidio amor...?
Que é dos meus verdes anos
E daqueles sonhos loucos
Da juventude que, aos poucos,
Enquanto tecia planos,
Foi passando e eu nem senti?
Que é do dia em que parti
Pra viver meus desenganos?
Retrato meu, cruel espelho,
Que saudades vêm de ti!
Da juventude a sorrir
Sem nunca pensar no velho,
Só esperanças no olhar,
O cabelo a esvoaçar,
O blusão de brim vermelho...
Da namorada querida,
Das juras de amor eterno,
Do beijo escondido e terno,
Com a alma embevecida
À sombra do tamarindo...
Daquele passado lindo!
E aquela triste partida...
Espelho meu... Cruel algoz!
O tempo, implacável juiz,
Fez cair a tarde gris,
Como um despertar atroz,
Como o pano ao fim da peça.
Não há ilusão que impeça
Ir-se o tempo assim, veloz.
Espelho meu, que fizeste?
Só vejo sulco em meu rosto!
E um olhar frio de desgosto.
Estás me fazendo um teste?
E esses vincos nus na testa?
Cadê meu riso de festa?
“Resigna-te!”, tu disseste?!
“Viveste a louca paixão
Da mocidade aloprada,
Dos desvarios, das noitadas,
Não viste, a teus pés, o chão...
Vivendo de zombarias,
Feriste tantas Marias,
Nem tiveste compaixão!”
“Resigna-te, digo agora,
Que os anos não voltam mais.
Plantaste, tempos atrás,
Colhe teu fruto e não chora
Semeaste amores vãos,
Suporta o tremor das mãos,
Ergue-as a Deus e, então, ora.”
Retrato meu, que saudade
Das manhãs ensolaradas,
Das noites enluaradas,
Dos dias da mocidade!
Pudesse o tempo voltar,
Dormir agora e acordar,
Aos quinze anos de idade!
Embaça-me já escuro véu...
Tudo é velho e tarde em mim.
Joguei um jogo chinfrim,
No qual fiz triste papel...
Já vejo o pó da ampulheta
A se extinguir na luneta
Do tempo. Só resta o fel...
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Brasília, outubro de 2005
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