Conceição do Araguaia, na época, 1976, era um aglomerado de não mais de 5.000 habitantes, mas era o centro civilizado mais avançado naquele sul do Pará, ainda tranqüilo, sem as disputas fundiárias que viriam incendiar a região tempos depois. Ali nos despedíamos da civilização, antes de embrenhar nas matas para as pesquisas que então desenvolvíamos, quais bandeirantes modernos, meses a fio entre Txucarramães, caboclos, garimpeiros, guaribas, mutuns, jacamins e o mistério da selva silenciosa e traiçoeira.
Pois bem, voltemos a Conceição do Araguaia. No comércio local, adquiri víveres para 30 dias de campanha e divulguei na cidade que precisava de peões e cozinheiro. Rapidamente, selecionei os candidatos, entre os muitos que se apresentaram e partimos para os cafundós da serra do Quatipuru, em algum local no coração do Brasil. Causou-me muito boa impressão o cozinheiro Mauro, pela experiência em vários garimpos, pela surpreendente desenvoltura e conhecimento de culinária, inclusive demonstrando grande capacidade de previsão de consumo, por cada item da dispensa, um diferencial que o distinguiu de imediato. Tinha 19 anos. Nada, então, me faria imaginar que o Mauro entrevistado, se transformaria na Maurinha Escandalosa, de poucos dias depois. Mas, deixemos a história seguir seu curso, sem antecipações precipitadas.
Esqueci de dizer que nossa equipe era de dez pessoas, além de alguns guias e índios que fomos arrebanhando pelo caminho. Nossa tropa se movia no lombo de duas Rurais Willys e uma picape Ford F-100. Enfim, uma caravana preparada para o que desse e viesse. De modo que uma semana depois, instalávamos o primeiro acampamento fixo, no terreiro de uma fazenda abandonada, ao lado de antiga roda d’água e os trabalhos deslancharam.
Mauro, o protagonista do nosso causo, se levantava às 4h00 da manhã e preparava um laudo almoço, com tudo o que as condições permitiam, além de aprontar os alforjes para a dura jornada das equipes. Ágil, criativo, bem humorado, logo cativou todos. Passava o dia só no acampamento e se virava bem com os índios curiosos que costumavam aparecer por lá, furtivamente, vez em quando. Por volta de 16h00, quando as equipes começavam a regressar, ele recepcionava os trabalhadores com uma indefectível saudação:
- Olá meus rapazes! Sejam bem vindos!
Bom, os dias foram passando e o Mauro, cada vez mais foi se desinibindo, ficando mais falante e começou a desmunhecar. A princípio, de forma discreta, mas 20 dias depois ele já era a Maurinha, apelido colocado pelo Reinaldo, um técnico muito gaiato, por quem o cozinheiro denotou irresistível queda. E perdeu a moral, digamos assim. Passou a ser alvo de brincadeiras grosseiras e piadas preconceituosas, mas ele parecia gostar, pois cada vez mais ficava à vontade entre “seus rapazes”. Quando terminava o jantar, ali pelas 18h00, começava a sessão das gozações, que se estendiam até as 20h00, quando finalmente nos recolhíamos da lide diária. Ninguém mais o chamava pelo nome masculino, exceto eu, claro, e Antonio, um técnico muito conservador, que não admitia essas “perversões”, como ele dizia. Para os demais, passou a ser a Maurinha e ponto final.
Quando percebi o rumo das coisas, compreendi que tinha de acabar com o clima, antes de perder o controle da situação. Eu sabia que, até ali, tudo se resumia a brincadeiras, embora eu tivesse certeza de sua paixão pelo Reinaldo. Mas era só questão de tempo para uma investida mais objetiva. Tinha de agir rápido. Por experiência, nunca deixava a rapaziada mais de 30 dias sem “descarregar as energias”. O ideal eram 20 dias, quando as circunstâncias permitiam, mas ali, não tinha jeito. Já fazia quase um mês que estávamos todos a “pão e água”.
Anunciei que dali a dois dias iria com o Mauro e Antonio à cidade, repor os mantimentos e que no próximo final de semana, Reinaldo levaria todos para o Entroncamento. Falo de um point de beira de estrada, 20 km do acampamento, onde os garimpeiros da região iam vender ouro e namorar as “meninas do trecho”, garotas nômades que transitavam pelos garimpos da floresta, trocando o vil metal por uns minutos de companhia. A satisfação foi geral, inclusive do Mauro, que se dizia muito saudoso da mãe. Mal sabia ele que não voltaria mais ao acampamento.
Pois bem, no dia seguinte, a equipe do Reinaldo, talvez pressentindo meus planos, resolveu fazer uma despedida do cozinheiro. Bolaram a pegadinha mais sádica que se pode aprontar com um ser humano.
Mataram uma sucuri de 1,70 m, na picada (normalmente, nunca matávamos cobra nas picadas, apenas nos desviávamos delas), puseram a dita cuja numa mochila e trouxeram para o acampamento. Eu não sabia de nada, foi tudo armação do Reinaldo. Mas desconfiei quando, logo depois do jantar, ao invés da costumeira rodinha de brincadeiras maliciosas com o Mauro, todos alegaram sono e se recolheram mais cedo. O próprio Mauro estranhou a moleza dos seus rapazes. Mas o pobre nem desconfiava que sua paixão, Reinaldo, tinha entrado furtivamente na barraca ao lado da cozinha e colocado a sucuri enrolada, no seu saco de dormir.
Na verdade, todos fingiram que foram dormir mais cedo, mas ficaram esperando o desfecho da pegadinha. De suas barracas, ficaram à espreita, esperando se apagar o lampião a gás que iluminava o acampamento. Seria o sinal do recolhimento da vítima. Na minha barraca, lia sob a luz de vela, quando vi o lampião se apagar e, em seguida, ouvi barulho do zíper da barraca do Mauro se abrindo e fechando. Seriam, no máximo, 19h30 daquela quarta-feira escura, de lua nova na floresta. Depois do zíper, um silêncio sepulcral e depois o barulho dos passos dos jacamins ao redor do acampamento e depois os gritos mais pavorosos que ouvi na minha vida.
Embora a mata seja muito quente durante o dia, a umidade faz as noites frias, de modo que o saco de dormir, além de aquecer dá uma gostosa sensação de segurança. Mauro era baixinho e por isso seus pés só tocaram a cobra, colocada estrategicamente no fundo, ao se ajeitar no saco, já depois do zíper fechado e da vela apagada. Quando percebeu do que se tratava e começou a se debater sob o impulso do terror que o assaltou, suas pernas foram se embaraçando com a cobra gelada e suas mãos não conseguiram achar o zíper para abrir o saco.
Sua voz era fina e cortante como o canto de mil carpideiras:
- Oh! Meu Deus! Me mordeu... Um cobra... Socorro! Me ajudem, a cobra me mordeu. Valhei-me meu Jesus Crucificado! Socorro! Mãezinha!
Ninguém faz idéia do que são gritos assim, no silêncio da mata. Fiquei paralisado, arrepiado da cabeça aos pés, sem a menor possibilidade de qualquer movimento, durante uns trinta segundos. Nem falar eu conseguiria, nesses segundos fatídicos, tal o pavor que me dominou. Mas, passado o torpor inicial, notei que, além dos gritos lancinantes, havia barulho de risadas desabridas nas outras barracas. Na hora, vi que havia algo errado.
Em sua agonia, Mauro rasgou o saco de dormir e, ao tentar abrir o zíper da barraca, destrambelhado e no escuro, fez com que toda a estrutura arriasse, caindo em cima dele, aumentando ainda mais seu pavor. A essa altura eu, o Antonio e mais alguns peões compadecidos, já chegávamos ao barraco do pobre, de lanternas na mão, procurando entender o acontecido. Após o resgate, ele quase desmaiado, trêmulo e balbuciante, sem dizer coisa com coisa, o Reinaldo, aos soluços de riso, explica a brincadeira. Só não o demiti ali mesmo, naquele momento, porque não tinha a menor possibilidade de substituição de sua capacidade técnica. Eu era refém de sua competência e calculei bem a situação para não fazer besteira e me arrepender depois.
Difícil foi convencer o Mauro de que a sucuri não o tinha picado. Ele jurava que sentira a mordida. Quando Reinaldo trouxe a defunta e lhe mostrou, só aí ele relaxou um pouco e começou a esboçar um sorriso amarelo que expressava grande decepção com o alvo de seus afetos. Demos a ele muita água e um chá de maracujá, que alguém colheu ali mesmo no terreiro da velha fazenda. Nessa noite e na seguinte, antes da viagem, ele dormiu na dispensa, em uma rede. Não quis mais voltar para a barraca, nem para o saco de dormir. Adverti o Reinaldo severamente. Apliquei-lhe como pena, pedir desculpas ao Mauro, que foram aceitas com lágrimas nos cantinhos dos olhos.
Bom, mantive meus planos e dispensei o Mauro, na cidade, sem maiores dramas. Ele compreendeu e ainda me arranjou um substituto que não “virava a casaca”, como ele mesmo me garantiu, sorrindo.
Quatro meses depois, quando encerramos os trabalhos na região e íamos nos mudar para Marabá, retornamos a Conceição para deixar os peões e tomar um “banho de civilização”, antes da nova campanha. Concedi três dias úteis de folga a todos.
No final da tarde do segundo dia, enquanto tomávamos cerveja num bar da praça principal da cidade, quem nos aparece? Isso mesmo! O Mauro, agora já apelidado de Maurinha Escandalosa, com um “retratista” a tiracolo. Queria, porque queria, guardar uma recordação dos amigos. E tirou dezenas de fotos com todos nós. Mas, na verdade, todos sabíamos que ele queria mesmo era tirar fotos de sua paixão. Era de se ver o brilho de seus olhos, quando Reinaldo passou os braços em seus ombros, para uma foto a sós, a nosso pedido, apenas os dois pombinhos.
Dois dias depois partimos e já se vão 30 anos. Nunca mais passei por Conceição do Araguaia. Também do Reinaldo não tenho notícias, há 25 anos. C’est la vie. Antonio, Reinaldo, Mauro, Maurinha Escandalosa... Pedaços de minha história que ficaram para trás. Que terá feito o Mauro de sua vida? Ainda conservará a foto de sua paixão? Ainda se lembrará da picada da cobra defunta? Não sei. Sei que jamais se ouviram, naquelas bandas da floresta, gritos tão lancinantes. E sei que trago comigo uma saudade imensa dos velhos companheiros. Se pudesse, reuniria todos num grande e fraternal abraço, que resgatasse tudo o que passamos naqueles dias venturosos da minha juventude geológica.
Pois bem, voltemos a Conceição do Araguaia. No comércio local, adquiri víveres para 30 dias de campanha e divulguei na cidade que precisava de peões e cozinheiro. Rapidamente, selecionei os candidatos, entre os muitos que se apresentaram e partimos para os cafundós da serra do Quatipuru, em algum local no coração do Brasil. Causou-me muito boa impressão o cozinheiro Mauro, pela experiência em vários garimpos, pela surpreendente desenvoltura e conhecimento de culinária, inclusive demonstrando grande capacidade de previsão de consumo, por cada item da dispensa, um diferencial que o distinguiu de imediato. Tinha 19 anos. Nada, então, me faria imaginar que o Mauro entrevistado, se transformaria na Maurinha Escandalosa, de poucos dias depois. Mas, deixemos a história seguir seu curso, sem antecipações precipitadas.
Esqueci de dizer que nossa equipe era de dez pessoas, além de alguns guias e índios que fomos arrebanhando pelo caminho. Nossa tropa se movia no lombo de duas Rurais Willys e uma picape Ford F-100. Enfim, uma caravana preparada para o que desse e viesse. De modo que uma semana depois, instalávamos o primeiro acampamento fixo, no terreiro de uma fazenda abandonada, ao lado de antiga roda d’água e os trabalhos deslancharam.
Mauro, o protagonista do nosso causo, se levantava às 4h00 da manhã e preparava um laudo almoço, com tudo o que as condições permitiam, além de aprontar os alforjes para a dura jornada das equipes. Ágil, criativo, bem humorado, logo cativou todos. Passava o dia só no acampamento e se virava bem com os índios curiosos que costumavam aparecer por lá, furtivamente, vez em quando. Por volta de 16h00, quando as equipes começavam a regressar, ele recepcionava os trabalhadores com uma indefectível saudação:
- Olá meus rapazes! Sejam bem vindos!
Bom, os dias foram passando e o Mauro, cada vez mais foi se desinibindo, ficando mais falante e começou a desmunhecar. A princípio, de forma discreta, mas 20 dias depois ele já era a Maurinha, apelido colocado pelo Reinaldo, um técnico muito gaiato, por quem o cozinheiro denotou irresistível queda. E perdeu a moral, digamos assim. Passou a ser alvo de brincadeiras grosseiras e piadas preconceituosas, mas ele parecia gostar, pois cada vez mais ficava à vontade entre “seus rapazes”. Quando terminava o jantar, ali pelas 18h00, começava a sessão das gozações, que se estendiam até as 20h00, quando finalmente nos recolhíamos da lide diária. Ninguém mais o chamava pelo nome masculino, exceto eu, claro, e Antonio, um técnico muito conservador, que não admitia essas “perversões”, como ele dizia. Para os demais, passou a ser a Maurinha e ponto final.
Quando percebi o rumo das coisas, compreendi que tinha de acabar com o clima, antes de perder o controle da situação. Eu sabia que, até ali, tudo se resumia a brincadeiras, embora eu tivesse certeza de sua paixão pelo Reinaldo. Mas era só questão de tempo para uma investida mais objetiva. Tinha de agir rápido. Por experiência, nunca deixava a rapaziada mais de 30 dias sem “descarregar as energias”. O ideal eram 20 dias, quando as circunstâncias permitiam, mas ali, não tinha jeito. Já fazia quase um mês que estávamos todos a “pão e água”.
Anunciei que dali a dois dias iria com o Mauro e Antonio à cidade, repor os mantimentos e que no próximo final de semana, Reinaldo levaria todos para o Entroncamento. Falo de um point de beira de estrada, 20 km do acampamento, onde os garimpeiros da região iam vender ouro e namorar as “meninas do trecho”, garotas nômades que transitavam pelos garimpos da floresta, trocando o vil metal por uns minutos de companhia. A satisfação foi geral, inclusive do Mauro, que se dizia muito saudoso da mãe. Mal sabia ele que não voltaria mais ao acampamento.
Pois bem, no dia seguinte, a equipe do Reinaldo, talvez pressentindo meus planos, resolveu fazer uma despedida do cozinheiro. Bolaram a pegadinha mais sádica que se pode aprontar com um ser humano.
Mataram uma sucuri de 1,70 m, na picada (normalmente, nunca matávamos cobra nas picadas, apenas nos desviávamos delas), puseram a dita cuja numa mochila e trouxeram para o acampamento. Eu não sabia de nada, foi tudo armação do Reinaldo. Mas desconfiei quando, logo depois do jantar, ao invés da costumeira rodinha de brincadeiras maliciosas com o Mauro, todos alegaram sono e se recolheram mais cedo. O próprio Mauro estranhou a moleza dos seus rapazes. Mas o pobre nem desconfiava que sua paixão, Reinaldo, tinha entrado furtivamente na barraca ao lado da cozinha e colocado a sucuri enrolada, no seu saco de dormir.
Na verdade, todos fingiram que foram dormir mais cedo, mas ficaram esperando o desfecho da pegadinha. De suas barracas, ficaram à espreita, esperando se apagar o lampião a gás que iluminava o acampamento. Seria o sinal do recolhimento da vítima. Na minha barraca, lia sob a luz de vela, quando vi o lampião se apagar e, em seguida, ouvi barulho do zíper da barraca do Mauro se abrindo e fechando. Seriam, no máximo, 19h30 daquela quarta-feira escura, de lua nova na floresta. Depois do zíper, um silêncio sepulcral e depois o barulho dos passos dos jacamins ao redor do acampamento e depois os gritos mais pavorosos que ouvi na minha vida.
Embora a mata seja muito quente durante o dia, a umidade faz as noites frias, de modo que o saco de dormir, além de aquecer dá uma gostosa sensação de segurança. Mauro era baixinho e por isso seus pés só tocaram a cobra, colocada estrategicamente no fundo, ao se ajeitar no saco, já depois do zíper fechado e da vela apagada. Quando percebeu do que se tratava e começou a se debater sob o impulso do terror que o assaltou, suas pernas foram se embaraçando com a cobra gelada e suas mãos não conseguiram achar o zíper para abrir o saco.
Sua voz era fina e cortante como o canto de mil carpideiras:
- Oh! Meu Deus! Me mordeu... Um cobra... Socorro! Me ajudem, a cobra me mordeu. Valhei-me meu Jesus Crucificado! Socorro! Mãezinha!
Ninguém faz idéia do que são gritos assim, no silêncio da mata. Fiquei paralisado, arrepiado da cabeça aos pés, sem a menor possibilidade de qualquer movimento, durante uns trinta segundos. Nem falar eu conseguiria, nesses segundos fatídicos, tal o pavor que me dominou. Mas, passado o torpor inicial, notei que, além dos gritos lancinantes, havia barulho de risadas desabridas nas outras barracas. Na hora, vi que havia algo errado.
Em sua agonia, Mauro rasgou o saco de dormir e, ao tentar abrir o zíper da barraca, destrambelhado e no escuro, fez com que toda a estrutura arriasse, caindo em cima dele, aumentando ainda mais seu pavor. A essa altura eu, o Antonio e mais alguns peões compadecidos, já chegávamos ao barraco do pobre, de lanternas na mão, procurando entender o acontecido. Após o resgate, ele quase desmaiado, trêmulo e balbuciante, sem dizer coisa com coisa, o Reinaldo, aos soluços de riso, explica a brincadeira. Só não o demiti ali mesmo, naquele momento, porque não tinha a menor possibilidade de substituição de sua capacidade técnica. Eu era refém de sua competência e calculei bem a situação para não fazer besteira e me arrepender depois.
Difícil foi convencer o Mauro de que a sucuri não o tinha picado. Ele jurava que sentira a mordida. Quando Reinaldo trouxe a defunta e lhe mostrou, só aí ele relaxou um pouco e começou a esboçar um sorriso amarelo que expressava grande decepção com o alvo de seus afetos. Demos a ele muita água e um chá de maracujá, que alguém colheu ali mesmo no terreiro da velha fazenda. Nessa noite e na seguinte, antes da viagem, ele dormiu na dispensa, em uma rede. Não quis mais voltar para a barraca, nem para o saco de dormir. Adverti o Reinaldo severamente. Apliquei-lhe como pena, pedir desculpas ao Mauro, que foram aceitas com lágrimas nos cantinhos dos olhos.
Bom, mantive meus planos e dispensei o Mauro, na cidade, sem maiores dramas. Ele compreendeu e ainda me arranjou um substituto que não “virava a casaca”, como ele mesmo me garantiu, sorrindo.
Quatro meses depois, quando encerramos os trabalhos na região e íamos nos mudar para Marabá, retornamos a Conceição para deixar os peões e tomar um “banho de civilização”, antes da nova campanha. Concedi três dias úteis de folga a todos.
No final da tarde do segundo dia, enquanto tomávamos cerveja num bar da praça principal da cidade, quem nos aparece? Isso mesmo! O Mauro, agora já apelidado de Maurinha Escandalosa, com um “retratista” a tiracolo. Queria, porque queria, guardar uma recordação dos amigos. E tirou dezenas de fotos com todos nós. Mas, na verdade, todos sabíamos que ele queria mesmo era tirar fotos de sua paixão. Era de se ver o brilho de seus olhos, quando Reinaldo passou os braços em seus ombros, para uma foto a sós, a nosso pedido, apenas os dois pombinhos.
Dois dias depois partimos e já se vão 30 anos. Nunca mais passei por Conceição do Araguaia. Também do Reinaldo não tenho notícias, há 25 anos. C’est la vie. Antonio, Reinaldo, Mauro, Maurinha Escandalosa... Pedaços de minha história que ficaram para trás. Que terá feito o Mauro de sua vida? Ainda conservará a foto de sua paixão? Ainda se lembrará da picada da cobra defunta? Não sei. Sei que jamais se ouviram, naquelas bandas da floresta, gritos tão lancinantes. E sei que trago comigo uma saudade imensa dos velhos companheiros. Se pudesse, reuniria todos num grande e fraternal abraço, que resgatasse tudo o que passamos naqueles dias venturosos da minha juventude geológica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário