Depois, ambos foram “convidados” a pedir demissão, mas até então eram dois geólogos de renome na empresa. Um, exímio e versátil violonista, que tocava desde as chorosas músicas sertanejas, que os goianos adoram, até os rocks mais pesados, com solos excepcionais. Verdadeiro artista, que poderia muito bem, ter seguido a carreira de músico. O outro, boêmio, amante da boa música e farrista de primeira hora. Ambos mulherengos e apreciadores dos bons destilados e fermentados.
O destino os uniu, fazendo-os dupla responsável por uma área de mapeamento, em importante projeto da empresa, na década de 70.
Naquela época, os mapeamentos tinham a fase denominada de “cheque final”. Era quando o chefe do projeto passava uma semana com cada dupla, “conferindo” os trabalhos, in loco. Esse trabalho consistia na seleção de alguns pontos, aleatoriamente ou não, para visita conjunta. No causo em tela, foi aí que a porca torceu o rabo. Na verdade, o chefe do projeto, geólogo de larga experiência e conhecimento, já tinha estranhado certas relações de campo e resolvera ir direto ao problema.
As coisas começaram então a não bater. Explico. No ponto descrito como a rocha A, ocorria, na verdade a rocha B. Mais adiante, a rocha C foi descrita com D. E assim por diante, uma confusão dos diabos. Apertada, a dupla começou a entrar em contradição, um a jogar a culpa no outro. Enfim, a coisa estava cheirando mal. E isso se deu na maioria dos pontos visitados, fazendo com que todo o mapeamento ficasse sob suspeita. Mas afinal, o que acontecera? Era a pergunta, tão simples, que a dupla se enrolava toda, mas não respondia. O chefe do projeto estava desesperado. Todo o trabalho estava comprometido.
Na terceira noite, após calorosas discussões na mesa do restaurante do hotel da pequenina cidade do interior, a dupla se retirou ofendida, dizendo-se vitima de perseguição, deixando o pobre chefe do projeto, com a cabeça entre as mãos, quase chorando. Tão absorto estava em sua decepção, que nem percebeu quando o gerente do hotel se aproximou, com muito respeito e lhe bateu no ombro:
- Doutor! Me desculpe. Não é da minha conta, eu não tenho nada a ver com isso, mas ouvindo a discussão que o senhor teve com fulano e cicrano, me senti na obrigação de lhe contar algumas coisas. O senhor, se quiser me ouvir, vai tirar as conclusões, se ajuda ou não a esclarecer o que houve.
O chefe do projeto então, olhou-o vivamente interessado e se prontificou a ouvir, sem atinar, no entanto, o que uma coisa tinha a ver com a outra.
- Mas, por favor, doutor, aqui não. Fulano e cicrano são meus hóspedes antigos e não quero que eles fiquem com raiva de mim. Me encontre daqui a 20 minutos no Bar Flor do Pequi, lá no fim da rua principal, ao lado da Boate Cossaco Fora.
No local combinado, o gerente do hotel relatou ao chefe do projeto, por mais de uma hora, fatos relacionados ao comportamento da dupla. Fatos de conhecimento de muita gente na cidade e que depunham negativamente, contra a imagem da Empresa, embora ele sempre arrematasse não ter nada com isso. Mas que era estranho, lá isso era!
Saindo dali, passaram em mais duas casas, onde novos personagens, sob a condição de absoluto sigilo, acrescentaram ingredientes que reforçaram as conclusões do chefe do projeto, sobre o ocorrido, de modo que nem precisou mais de novas testemunhas. Tudo estava esclarecido.
No outro dia cedo, durante o café da manhã, ele comunicou à dupla que tinha havido mudanças de planos. Os dois deveriam voltar de ônibus, para a Sede, enquanto ele seguiria, com o carro, para outra área, considerando suficiente o cheque já feito.
Desconfiados, mas obedientes e até aliviados, os dois amigos foram deixados na Rodoviária. Dali mesmo, o chefe do projeto se dirigiu aos Correios, onde postou extensa carta, redigida na noite anterior, dirigida ao Gerente da dupla, resumindo o ocorrido e recomendando a demissão imediata de ambos. E completou o cheque da área sozinho.
Passemos, então, a relatar o que se deu e porque se deu.
O projeto teve seis meses de campo. No primeiro mês, até que a dupla trabalhou direito, cumprindo suas tarefas diárias, como todas as outras, das demais áreas. Porém, à medida que foram se ambientando na cidade e, principalmente, na Boate Cossaco Fora, onde viraram clientes especiais, os amigos começaram a, digamos, relaxar com o rigor que a geologia exige. Acordavam tarde, voltavam cedo do campo e fizeram do Flor do Pequi seu escritório. A coisa foi assim até que, do terceiro mês em diante, a dupla adotou a seguinte agenda de trabalhos: segunda, terça e quarta ia normalmente para o campo. Nos demais dias, o expediente era dado no “escritório”. Explico.
Comecemos pela quinta. Nesse dia, os amigos, cansados dos três dias anteriores, tinham que descansar, que ninguém é de ferro. Saiam normalmente do hotel, às sete horas e iam direto pra Boate, onde tinham várias “amigas”. Por volta das 10 hs, acampavam no “escritório”. O músico sacava o violão, do qual nunca se apartou, e começava a orgia. As “amigas” desciam da “Cossaco” e dali a pouco o pagode estava armado, animado a cachaça e cerveja.
De vez em quando, o grilo falante de um lembrava:
- Colega, tá na hora de descrever um afloramento. De quem é a vez?
- Agora é você colega. Eu estou muito cansado, pois já descrevi dois hoje!
Aí, o colega sacava a fotografia aérea, localizava o caminho que deveriam estar trilhando e marcava um ponto, tendo o cuidado de fazer parecer um perfil diário normal, com a quantidade de pontos consistente com a logística, claro. Isto feito, pegava a caderneta e descrevia o afloramento, entre um gole e outro de cerveja.
De vez em quando, pintava uma dúvida cruel:
- Colega! Você acha que essa rocha é um xisto ou um gnaisse? Perguntava, exibindo a fotografia ao violonista que, então, em nome da ciência, interrompia a sessão Elvis Presley:
- Colega, nem um nem outro. Isso é um baita calcário negro. Veja, tem até estromatólitos... E caiam na risada, retomando o pagode.
O destino os uniu, fazendo-os dupla responsável por uma área de mapeamento, em importante projeto da empresa, na década de 70.
Naquela época, os mapeamentos tinham a fase denominada de “cheque final”. Era quando o chefe do projeto passava uma semana com cada dupla, “conferindo” os trabalhos, in loco. Esse trabalho consistia na seleção de alguns pontos, aleatoriamente ou não, para visita conjunta. No causo em tela, foi aí que a porca torceu o rabo. Na verdade, o chefe do projeto, geólogo de larga experiência e conhecimento, já tinha estranhado certas relações de campo e resolvera ir direto ao problema.
As coisas começaram então a não bater. Explico. No ponto descrito como a rocha A, ocorria, na verdade a rocha B. Mais adiante, a rocha C foi descrita com D. E assim por diante, uma confusão dos diabos. Apertada, a dupla começou a entrar em contradição, um a jogar a culpa no outro. Enfim, a coisa estava cheirando mal. E isso se deu na maioria dos pontos visitados, fazendo com que todo o mapeamento ficasse sob suspeita. Mas afinal, o que acontecera? Era a pergunta, tão simples, que a dupla se enrolava toda, mas não respondia. O chefe do projeto estava desesperado. Todo o trabalho estava comprometido.
Na terceira noite, após calorosas discussões na mesa do restaurante do hotel da pequenina cidade do interior, a dupla se retirou ofendida, dizendo-se vitima de perseguição, deixando o pobre chefe do projeto, com a cabeça entre as mãos, quase chorando. Tão absorto estava em sua decepção, que nem percebeu quando o gerente do hotel se aproximou, com muito respeito e lhe bateu no ombro:
- Doutor! Me desculpe. Não é da minha conta, eu não tenho nada a ver com isso, mas ouvindo a discussão que o senhor teve com fulano e cicrano, me senti na obrigação de lhe contar algumas coisas. O senhor, se quiser me ouvir, vai tirar as conclusões, se ajuda ou não a esclarecer o que houve.
O chefe do projeto então, olhou-o vivamente interessado e se prontificou a ouvir, sem atinar, no entanto, o que uma coisa tinha a ver com a outra.
- Mas, por favor, doutor, aqui não. Fulano e cicrano são meus hóspedes antigos e não quero que eles fiquem com raiva de mim. Me encontre daqui a 20 minutos no Bar Flor do Pequi, lá no fim da rua principal, ao lado da Boate Cossaco Fora.
No local combinado, o gerente do hotel relatou ao chefe do projeto, por mais de uma hora, fatos relacionados ao comportamento da dupla. Fatos de conhecimento de muita gente na cidade e que depunham negativamente, contra a imagem da Empresa, embora ele sempre arrematasse não ter nada com isso. Mas que era estranho, lá isso era!
Saindo dali, passaram em mais duas casas, onde novos personagens, sob a condição de absoluto sigilo, acrescentaram ingredientes que reforçaram as conclusões do chefe do projeto, sobre o ocorrido, de modo que nem precisou mais de novas testemunhas. Tudo estava esclarecido.
No outro dia cedo, durante o café da manhã, ele comunicou à dupla que tinha havido mudanças de planos. Os dois deveriam voltar de ônibus, para a Sede, enquanto ele seguiria, com o carro, para outra área, considerando suficiente o cheque já feito.
Desconfiados, mas obedientes e até aliviados, os dois amigos foram deixados na Rodoviária. Dali mesmo, o chefe do projeto se dirigiu aos Correios, onde postou extensa carta, redigida na noite anterior, dirigida ao Gerente da dupla, resumindo o ocorrido e recomendando a demissão imediata de ambos. E completou o cheque da área sozinho.
Passemos, então, a relatar o que se deu e porque se deu.
O projeto teve seis meses de campo. No primeiro mês, até que a dupla trabalhou direito, cumprindo suas tarefas diárias, como todas as outras, das demais áreas. Porém, à medida que foram se ambientando na cidade e, principalmente, na Boate Cossaco Fora, onde viraram clientes especiais, os amigos começaram a, digamos, relaxar com o rigor que a geologia exige. Acordavam tarde, voltavam cedo do campo e fizeram do Flor do Pequi seu escritório. A coisa foi assim até que, do terceiro mês em diante, a dupla adotou a seguinte agenda de trabalhos: segunda, terça e quarta ia normalmente para o campo. Nos demais dias, o expediente era dado no “escritório”. Explico.
Comecemos pela quinta. Nesse dia, os amigos, cansados dos três dias anteriores, tinham que descansar, que ninguém é de ferro. Saiam normalmente do hotel, às sete horas e iam direto pra Boate, onde tinham várias “amigas”. Por volta das 10 hs, acampavam no “escritório”. O músico sacava o violão, do qual nunca se apartou, e começava a orgia. As “amigas” desciam da “Cossaco” e dali a pouco o pagode estava armado, animado a cachaça e cerveja.
De vez em quando, o grilo falante de um lembrava:
- Colega, tá na hora de descrever um afloramento. De quem é a vez?
- Agora é você colega. Eu estou muito cansado, pois já descrevi dois hoje!
Aí, o colega sacava a fotografia aérea, localizava o caminho que deveriam estar trilhando e marcava um ponto, tendo o cuidado de fazer parecer um perfil diário normal, com a quantidade de pontos consistente com a logística, claro. Isto feito, pegava a caderneta e descrevia o afloramento, entre um gole e outro de cerveja.
De vez em quando, pintava uma dúvida cruel:
- Colega! Você acha que essa rocha é um xisto ou um gnaisse? Perguntava, exibindo a fotografia ao violonista que, então, em nome da ciência, interrompia a sessão Elvis Presley:
- Colega, nem um nem outro. Isso é um baita calcário negro. Veja, tem até estromatólitos... E caiam na risada, retomando o pagode.
“It’s now or never, come hold me tight, kiss me my darling, be mine tonight...”
E assim, passavam os dias em pândega e esbórnia, até domingo. Na segunda, pra descansar do batidão desde quinta, se mandavam pro campo, escolhiam uma margem de córrego bem tranqüila, e ali se recuperavam do desgaste, tendo o cuidado de descrever, da mesma forma, os pontos do dia. Na terça e na quarta, faziam um perfil normal e na quinta começava tudo de novo. Daí, deu no que deu.
Ante a força dos fatos, não restou saída aos dois boêmios, senão pedir demissão. Não me consta que tenham seguido juntos, outros destinos. Até onde sei, cada um tomou seu rumo.
Um detalhe final interessante desse causo é que uma das “amigas” da dupla, em conversa reveladora com o chefe do projeto, saiu-se com essa:
- Uma vez, perguntei a Fulano pra que ele ficava rodando por aí, no meio do mato, com aquelas fotografias, ele me respondeu que estava pra estourar a 3ª Guerra Mundial e que aquela região do Planalto Central tinha sido escolhida para a construção de abrigo subterrâneo para o Presidente da República.
Ante a cara de incredulidade do chefe do projeto, acrescentou:
- Tem mais doutor. Disse que estavam em missão super secreta, disfarçados de geólogos, e que a equipe do Presidente iria precisar de um time de garotas para quebrar o tédio da vida subterrânea, o senhor entende? E disse que uma das missões deles era justamente já ir cadastrando as garotas, para evitar tumulto de última hora...
Não se preocupem os amantes das verdades geológicas. Um mutirão foi providenciado e rapidamente a geologia da área foi refeita, sem grandes prejuízos aos trabalhos.
Três anos após, um colega me disse que estava abastecendo o carro em um posto, nas proximidades da cidade aqui tratada, quando uma jovem, reconhecendo a logomarca na porta do jipe, interpelou-o com a seguinte indagação:
- O Senhor pode me informar se ainda estão cadastrando garotas para a boate subterrânea que o governo vai abrir aqui na região?
O colega fitou a garota, profundamente, em seus olhos castanhos borrados de sombra barata e sacou todo seu repertório de latim, enquanto meditava na pequenez da alma humana:
- Data venia, minha querida, quo vadis? Dura lex sed lex! Verbi gratia.
- O que? Dar de graça?! Nem morta!
O colega, agora, em espanhol, divertindo-se:
- Sangre de la madre de Diós!!!
A garota o mirou, espantada e saiu resmungando:
- Vixi Maria! Será que a guerra já começou?!
Na minha terra há um antigo ditado que diz “dá-se o causo e depois acontece”. Pois é. Dito e feito.
- Vixi Maria! Será que a guerra já começou?!
Na minha terra há um antigo ditado que diz “dá-se o causo e depois acontece”. Pois é. Dito e feito.
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