Jorjão* era um geólogo mineiro, de Carmo do Paranaíba (MG), quarentão e solteiro inveterado, com quem trabalhei algum tempo em Goiânia. Ele mesmo reconhecia que dificilmente conseguiria se casar, porque era muito metódico e cheio e manias. Cito uma, por exemplo, que presenciei várias vezes. Quando acontecia de ele aceitar, coisa rara, algum convite para uma noitada, ou simples farra de bar, avisava logo:
- Tá certo. Eu vou, mas às 10h38 eu venho embora.
Ele estipulava uma hora de fim de festa e isso tinha o valor de uma sentença. Até se divertia tomando umas (nós nunca o vimos namorando) e ficava à vontade, mas no horário marcado, ele disparava. Não tinha apelo que o fizesse desistir. Assim era o Jorjão.
Mas sobre ele pairava um mito, que soube assim cheguei a Goiânia, 1978. Diziam que ele era, digamos, avantajado... Me entendem, não? Referiam-se a ele como tripé, perna de mesa, pé de banco, esses apelidos clichês. Diziam até, não sei se tinha fundamento, que essa seria a principal causa de sua solteirice. Não conseguiu nenhuma mulher disposta a se bater em duelo com arma de tal calibre.
Dizia-se, por fim, para não se ter dúvidas sobre o tamanho da encrenca, que a dita cuja trazia inscrito, em letras maiúsculas garrafais, numa homenagem ao cerrado goiano:
- Tá certo. Eu vou, mas às 10h38 eu venho embora.
Ele estipulava uma hora de fim de festa e isso tinha o valor de uma sentença. Até se divertia tomando umas (nós nunca o vimos namorando) e ficava à vontade, mas no horário marcado, ele disparava. Não tinha apelo que o fizesse desistir. Assim era o Jorjão.
Mas sobre ele pairava um mito, que soube assim cheguei a Goiânia, 1978. Diziam que ele era, digamos, avantajado... Me entendem, não? Referiam-se a ele como tripé, perna de mesa, pé de banco, esses apelidos clichês. Diziam até, não sei se tinha fundamento, que essa seria a principal causa de sua solteirice. Não conseguiu nenhuma mulher disposta a se bater em duelo com arma de tal calibre.
Dizia-se, por fim, para não se ter dúvidas sobre o tamanho da encrenca, que a dita cuja trazia inscrito, em letras maiúsculas garrafais, numa homenagem ao cerrado goiano:
S A M B A Í B A
Sambaíba é o nome do arbusto típico do cerrado. Ninguém assumia já ter visto a famosa inscrição, mas todos a alardeavam como verdadeira. Jorjão, por sua vez, não confirmava nem desmentia. Sob seu sorriso tímido, deixava no ar o mistério, até, de certa forma, alimentando as fantasias dos mais criativos. Certa vez, ouvi um colega dizer que tinha ouvido de outro colega que a inscrição não era S A M B A Í B A e sim S A M B A D A B A H I A. Enfim, o certo é que o Jorjão, lá no fundo, curtia essa fama.
O Saulo*, outro geólogo, colega de turma do nosso herói e bastante gozador, certa vez, com o próprio protagonista presente, numa roda de bar, saiu-se com essa pérola:
- Rapaziada! Quero fazer uma revelação.
Assim dizendo, encostou-se no Jorjão, com a mão sobre seu ombro e prosseguiu.
- Aliás, quero fazer um depoimento, em defesa do nome do nosso colega aqui. Andam dizendo que ele tem a inscrição S A M B A Í B A no cano de sua espingarda. Os mais maldosos dizem que é S A M B A D A B A H I A. Mas quero dizer que isso é uma calúnia, uma deslavada mentira.
Suspense no bar. Jorjão ria, meio sem graça, e a turma se espantou daquela negativa que afrontava o mito popular já consagrado. Mas o Saulo prosseguiu:
- Tenho um primo urologista, Dr. Camilo, que me perguntou ontem, se eu conhecia um geólogo da CPRM, de nome Jorjão. Ao confirmar, ele me disse:
- Aquele cara é um fenômeno! Um caso para estudo da medicina.
- Mas por que, primo?
- Rapaz! O cara tem uma arma que é uma aberração. Em estado de repouso, parece uma jibóia enrolada. Desenrolado o pacote, você não credita o que se vê!!
- O que é nprimo?
- Sobre a cobra desenrolada pode-se ler, perfeitamente: S A M B A Í B A. Toda a minha equipe ficou abismada!
O bar quase veio abaixo, das risadas da platéia ávida. E Saulo, deliciando-se com o efeito de sua narrativa, prosseguiu:
- Mas, meu primo me deixou estupefato, quando me contou o final da novela. Ouçam o que ele me disse, depois:
- Todos já tínhamos ficado espantados com aquela inscrição inusitada, mas o pior estava por vir.
Nesse ponto, o Saulo fez uma pausa proposital, para tomar um gole de cerveja, deixando o suspense no ar.
- Então meu primo me disse que quando esticou a jibóia pra introduzir o cateter, o que era S A M B A Í B A foi aos poucos se transformando, até que surgiu a inscrição completa:
SAUDADES DO MEU QUERIDO CARMO DO PARANAÍBA.
- Isso mesmo que você ouviram, com todas as letras!
- Saulo, eu vi com esses olhos que a terra há de comer. E toda minha equipe também. Aliás, todas as equipes que estavam de plantão ontem. Tive de organizar uma fila pra manter o mínimo de ordem no consultório. Foi o maior sucesso. Dona Arlinda, enfermeira da proctologia, entrou na fila três vezes. E Zezito Margarida se ofereceu como enfermeiro voluntário...
Um estrondo de risadas abalou o bar e o Jorjão ficou vermelho, como um peru, embora risse também.
Quando as risadas foram baixando o tom, o sacana do Saulo ainda completou:
- E tem mais. Esqueci de dizer um detalhe. Estava escrito tudo em letras maiúsculas, com pincel atômico!
O bar foi ao delírio.
Nesse exato momento o relógio marcou 21h47, a hora que o Jorjão tinha estipulado como limite naquela noite. Calmamente, ele se levantou, deixou sua contribuição para a conta sobre a mesa e se retirou.
Na esteira de sua ausência, Zé Tampinha, de 1,30m de altura, que a tudo ouvira, quebrou o silêncio:
- Tamanho não é documento minha gente. Eu também tenho uma inscrição na minhoca, em homenagem à minha cidade natal.
Todos perguntaram quase a uma só voz:
- Que cidade Zé Tampinha? Pindamonhangaba?
Ele respondeu orgulhoso:
- Maceió! Minha querida Maceió.
Ante o espanto geral e achando que a mentira tinha sido exagerada, ele consertou:
-É... mas a bem da verdade, o acento do ó ficou bem na beiradinha... Quase não cabe!
Novamente o bar foi ao delírio.
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*Nome fictício