Trabalhando nos arredores da cidade de Porangatu – GO, fiz amizade com César*, funcionário de uma das agências bancárias da cidade, transferido de Goiânia, havia um ano.
Todos os dias, na volta do campo, passava num boteco, na periferia da cidade, para tirar a poeira da garganta, lá estava César, com sua duas “molecas”, como ele dizia: uma caninha e uma cerveja. Quando queria renovar a mesa pedia:
- Seu Dino*! Uma moleca pequena! Seu Dino lhe trazia uma dose de cana.
Raramente ele estava acompanhado. O mais comum era vê-lo sozinho, tomando suas molecas, meditativo, olhar perdido no nada. Não era de muitos amigos. Via-se que carregava uma tristeza, um desgosto. Era novo, Talvez uns trinta anos, mas parecia ter mais.
O certo é que acabamos fazendo forte amizade. Ele sempre me esperava, mesmo em meus eventuais atrasos. Adorava me ouvir tocar violão. E eu tinha de atender seus pedidos que começavam, invariavelmente, com Boemia, de Nelson Gonçalves.
Eventualmente, dávamos uma esticada por outros botecos, mas nada que ultrapassasse as oito, nove horas. Era casado, mas nunca lhe conhecemos a esposa. Um dia, quando falávamos das nossas vidas, ele me relatou o motivo do seu “desgosto”, a causa da sua bebedeira diária. Compartilho agora esse segredo que guardei por tantos anos. Mais precisamente, desde 1978. Aliás, lembro que antes de soltar a língua, me fez jurar que jamais revelaria a ninguém o que iria ouvir. Jurei e cumpri. Faço-o agora, sob o manto do tempo e do nome fictício do meu saudoso amigo.
Era casado com uma vizinha de infância. Seu romance fora selado pela amizade dos pais e eles foram crescendo juntos e adolescendo juntos e juntos tornaram-se hippies, caíram na estrada. Sempre fiéis e apaixonados. O amor maior do mundo, dizia ele, emocionado. O tempo dos hippies passou. Vieram as necessidades e ele acabou entrando para o banco. Ela era professora primária. E suas vidas era um mar de rosas.
Até que um dia, não se sabe como nem por que, sua amada acabou seduzida por uma dessas igrejas xiitas. Não ia mais a festas, não via televisão, aboliu as roupas curtas, deixou de fazer as axilas e via, em tudo, influência do maligno. Nem a cervejinha, antes sagrada, entrava mais em casa.
- Regi, assim ele me chamava, minha vida acabou. Não tenho mais mulher.
- Mas o pior, continuou, é que nossa vida sexual, antes tão intensa, agora, virou simples rotina fisiológica. Não tem mais graça.
- Como assim, César?
- Quando já estou "subindo nas paredes", e dou a entender que quero... Quero... “trocar o óleo”, sabe o que ela faz?
- Não César, não tenho a menor idéia.
- Pois ela me faz ajoelhar ao lado da cama, coloca a bíblia sobre o ventre, repetindo umas frases que não entendo e por fim, exige que ponha a mão sobre a... Sobre a... Você sabe, né?
- Sei....
- E aí eu tenho de jurar que vou fazer com todo o respeito, sem intenção pecaminosa, em estrito cumprimento ao santo dever conjugal, nas leis de Deus. O diabo é que, depois do juramento, o tesão já foi embora. Onde já se viu invocar Deus numa hora dessas?
E arrematou, com um suspiro do fundo d’alma, depois de um lapada na moleca, o olhar perdido no nada:
- Ah muié marvada!
O minuto que se seguiu foi o silêncio mais completo e respeitoso que já se produziu no boteco de seu Dino, jamais igualado, em todos os tempos. Quebrado apenas pelo barulho das molecas escorrendo por nossas gargantas ávidas de consolo.
Em solidariedade ao meu amigo, tomei todas com ele naquela noite.
Todos os dias, na volta do campo, passava num boteco, na periferia da cidade, para tirar a poeira da garganta, lá estava César, com sua duas “molecas”, como ele dizia: uma caninha e uma cerveja. Quando queria renovar a mesa pedia:
- Seu Dino*! Uma moleca pequena! Seu Dino lhe trazia uma dose de cana.
Raramente ele estava acompanhado. O mais comum era vê-lo sozinho, tomando suas molecas, meditativo, olhar perdido no nada. Não era de muitos amigos. Via-se que carregava uma tristeza, um desgosto. Era novo, Talvez uns trinta anos, mas parecia ter mais.
O certo é que acabamos fazendo forte amizade. Ele sempre me esperava, mesmo em meus eventuais atrasos. Adorava me ouvir tocar violão. E eu tinha de atender seus pedidos que começavam, invariavelmente, com Boemia, de Nelson Gonçalves.
Eventualmente, dávamos uma esticada por outros botecos, mas nada que ultrapassasse as oito, nove horas. Era casado, mas nunca lhe conhecemos a esposa. Um dia, quando falávamos das nossas vidas, ele me relatou o motivo do seu “desgosto”, a causa da sua bebedeira diária. Compartilho agora esse segredo que guardei por tantos anos. Mais precisamente, desde 1978. Aliás, lembro que antes de soltar a língua, me fez jurar que jamais revelaria a ninguém o que iria ouvir. Jurei e cumpri. Faço-o agora, sob o manto do tempo e do nome fictício do meu saudoso amigo.
Era casado com uma vizinha de infância. Seu romance fora selado pela amizade dos pais e eles foram crescendo juntos e adolescendo juntos e juntos tornaram-se hippies, caíram na estrada. Sempre fiéis e apaixonados. O amor maior do mundo, dizia ele, emocionado. O tempo dos hippies passou. Vieram as necessidades e ele acabou entrando para o banco. Ela era professora primária. E suas vidas era um mar de rosas.
Até que um dia, não se sabe como nem por que, sua amada acabou seduzida por uma dessas igrejas xiitas. Não ia mais a festas, não via televisão, aboliu as roupas curtas, deixou de fazer as axilas e via, em tudo, influência do maligno. Nem a cervejinha, antes sagrada, entrava mais em casa.
- Regi, assim ele me chamava, minha vida acabou. Não tenho mais mulher.
- Mas o pior, continuou, é que nossa vida sexual, antes tão intensa, agora, virou simples rotina fisiológica. Não tem mais graça.
- Como assim, César?
- Quando já estou "subindo nas paredes", e dou a entender que quero... Quero... “trocar o óleo”, sabe o que ela faz?
- Não César, não tenho a menor idéia.
- Pois ela me faz ajoelhar ao lado da cama, coloca a bíblia sobre o ventre, repetindo umas frases que não entendo e por fim, exige que ponha a mão sobre a... Sobre a... Você sabe, né?
- Sei....
- E aí eu tenho de jurar que vou fazer com todo o respeito, sem intenção pecaminosa, em estrito cumprimento ao santo dever conjugal, nas leis de Deus. O diabo é que, depois do juramento, o tesão já foi embora. Onde já se viu invocar Deus numa hora dessas?
E arrematou, com um suspiro do fundo d’alma, depois de um lapada na moleca, o olhar perdido no nada:
- Ah muié marvada!
O minuto que se seguiu foi o silêncio mais completo e respeitoso que já se produziu no boteco de seu Dino, jamais igualado, em todos os tempos. Quebrado apenas pelo barulho das molecas escorrendo por nossas gargantas ávidas de consolo.
Em solidariedade ao meu amigo, tomei todas com ele naquela noite.
* Nome fictício
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