quarta-feira, dezembro 06, 2006

Vermes e Canteiros

Quando vem a escuridão da mesquinhez humana
E em tudo se dissemina,
Nos cantos, nas quinas;
Quando a mão do tirano desmanda,
Discerne, desanda e discrimina;
Quando a Inteligência, enfim, percebe a farsa
E a Mão lhe amordaça, lhe cassa e basta;
E se resiste chora de amarguras.
Se resiste esbarra em duras barras
De verdades obscuras, sem cura;

Quando vem uma angústia descontrolada
E fica, e tudo domina
E dói fina, sem jeito,
Aí então tudo se avilta, se corrompe.
Rompe-se o velho laço
E nos invade brutal cansaço.
Do passado, retalhos esparsos retratam visões vazias,
Cheias de decepções.
A dignidade murcha, mingua, mirra, morre...
Ao sonhador, lhe restarão suas fantasias, alegorias...
E comporá um circo e será o palhaço
De pano, com dedos apenas,
E nunca o leão de aço, com mão e braço.

Todavia, são as fantasias
Perigosas vias ascendentes
E quem subir tão alto, como as estrelas cadentes,
Ouvirá vozes doidas, estridentes:
-“Acorda, acorda Consciência!
Explode tua ira, conspira, atira,
Explode forte, farta de impaciência”.
Mas virá depois um coro retumbante,
Abafando as vozes suplicantes,
Com brados roucos, agourentos de gigantes:
-“Dorme, dorme, Consciência!
Repousa calma, serena, alva,
Mansa, morna, morta de Impotência.”

E cá no chão, continuamos feito lixos, bichos,
Sem coração, embrião e cerne,
Repelidos feito vermes,
De canteiro em canteiro pisados,
Cuspidos, maltratados, expelidos,
Combatidos, batidos, tidos, idos...

(Rio de Janeiro, agosto de 1977 - Reflete a escuridão em que minha geração vivia, sem luz no final do túnel, naquele momento)

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