sábado, março 31, 2007

Como dizia Lennon

Não se turbe, porém, teu coração assim.
Tudo tem seu começo, meio e fim.
Toda noite amanhece, afinal.
Tudo passa...
Seja a nuvem de chumbo, o temporal,
Sejam os gozos febris do carnaval,
Seja a tarde mais negra, qual nanquim,
Tudo passa...

Não te percas em nome de um porvir distante.
Não te canses em vão, que não és Deus,
Que não temos as chaves dos mistérios Seus.
Tudo em nós é falível, mortal e mutante...
Mas a hora que corre nos cobra atitude.
Ser feliz requer luta e intrepitude.
É preciso sonhar, qual viajante,
E deixar que nos fale a intuição,
E seguir o que manda o coração,
Sejamos nossa própria cartomante.

Mas tua pergunta provoca e instiga:
"Vale a pena viver a planejar,
Dourando sempre a vida que virá?
E o dia de hoje, não é vida?"
Na verdade, não sei o que te diga.
Mas, dizia John Lennon, (quem esquece,
Muito embora o correr feroz dos anos?)
“A vida... A vida, amigo, é o que acontece,
Enquanto traçamos nossos planos”.
Eis aí a verdade... Simples... Antiga.

Rio de Janeiro, março de 2007

Dois amigos


segunda-feira, março 19, 2007

Meu Grande Amigo

Me perguntas se tenho um grande amigo...
Meu impulso primeiro é dizer sim,
É claro que tenho um grande amigo,
Aliás, não só um, tenho muitos, vários,
E me pego a pinçar nomes, faces,
E vou desfiando uma lista, um rosário,
Carlos, Chico, Zé, Rodrigo,
Dida, Antonio, André, Nazário...
Listaria um caderno, um livro, enfim...
Mas depois me reprimo, a meditar:
Amigo... Amigo em quem possa confiar?
Talvez, deixa ver... Apenas dois... Ou um.
Em verdade, em verdade vos digo: nenhum!

Me perguntas se tenho um grande amigo...
Me ajude então, pensa comigo.
É amigo quem se doa pelo irmão,
Quem se esquece de si, dos seus problemas,
Pra pensar feridas, curar edemas,
Limpar o pranto, estender a mão,
Descer ao fosso, esquecer o nome,
Matar a sede, matar a fome
De quem soluça, de quem extrema
No esquecimento, na solidão?
Nesse caso, nesse caso, deixa ver...
Não é um qualquer, um João comum.
Vamos ver... Três, dois... Não! Um...
Em verdade, vos digo: nenhum!

Me perguntas se tenho um grande amigo...
E então me deparo: estou sozinho.
Mas não é que eu viva retirado
Eremita, andarilho, um mendigo,
Tenho casa, família, vizinho,
Um trabalho legal, sou empregado.
Tenho extensa vivência social,
Vou a festas, comícios, burburinho,
Tenho cartões de doutores, deputados,
Visito parentes em leito de hospital,
Mas amigo, do jeito que disseste,
Que não liga pro bolso nem pras vestes,
Que te serve na bonança e no jejum,
Deixa ver... Três, dois... Não! Um...
Em verdade, vos digo: nenhum!

Me perguntas se tenho um grande amigo...
E enfim me dou conta de que tenho.
Tenho sim, um amigo inseparável,
Que me ouve em silêncio, com respeito,
Que medica as feridas do meu peito,
Que entende as agruras por que peno
Que, se choro, ele chora, inconsolável,
Mas, se rio, se transforma em risos, samba
Que é todo desvelo e compaixão
Companheiro fiel de coração,
Que me faz ser um astro, um deus, um bamba,
Disponível, sem rusgas nem queixumes.
Esse amigo que ama sem ciúmes,
Na tristeza, na dor, na provação...
Não exige de mim pedido algum
Em verdade vos digo, ele é só um.
Esse amigo que eu amo de paixão
É meu velho e sofrido violão.

sábado, março 10, 2007

Sim e Não

Não as palavras que cortam como faca,
Não as frases que separam, qual catraca,
Mas o verbo que consola e ampara, feito maca.

Não os gritos roucos dos desesperados,
Não a afonia inerme dos desamparados,
Mas a voz suave, que acalma e sustenta, qual cajado.

Não o olhar de fogo dos fuzis,
Não o olhar sem brilho do infeliz,
Mas o olhar de paz dos homens gentis.

Não o andar sem rumo, solitário,
Não o andar furtivo do sicário,
Mas o passo acolhedor do missionário.

Não o punho cerrado, da descrença,
Não as mãos enrijecidas da doença,
Mas o abraço que conforta, como bênção.

Não o beijo social, indiferente,
Não o beijo ensandecido da paixão fremente,
Mas o beijo terno, verdadeiro, consciente.

Não a paz dos fracos e vencidos,
Não a paz dos interesses concedidos,
Mas a paz dos homens bons e esclarecidos.

Não o choro das tragédias da cidade,
Não o choro da cruel fatalidade,
Mas o choro sereno da saudade.

Não o riso vão dos carnavais,
Não o escárnio zombeteiro dos rivais,
Mas o riso amigo, compreensivo, dos casais.

Não a raiva cega que enfurece e atordoa,
Não a fúria que a vingança entoa,
Mas a serenidade que abraça e perdoa.

Não o silêncio das vozes caladas,
Não o silêncio das vidas tombadas,
Mas o silêncio da paz alcançada.

Não o bramir dos ventos que a nuvem desfaz,
Não o estampido da armas que matam, mas
O fragor da canção que espalha a paz.

Brasília, março/2007