segunda-feira, abril 25, 2011

"Canocídio" e outras pérolas

Certo geólogo, daqueles da mais pura cepa da raça, chefiava o pequeno laboratório de preparação de amostras do Instituto paulista. Numa das paredes externas do laboratório havia um pequeno cano cego, de 15 cm de comprimento, tamponado. Vez por outra, nosso geólogo-chefe, destamponava o dito cujo e ali lavava alguns instrumentos de trabalho. Findo o trabalho, o cano era novamente vedado e assim permanecia até uma próxima necessidade.

Certo auxiliar de manutenção, recém-contratado, ao ver aquele toco de cano cego saindo da parede, não teve dúvidas. Serrou o estorvo e colocou um tampão, agora rente à parede, achando que iria ganhar pontos com a chefia devido à sua iniciativa.

O que nosso dinâmico auxiliar não sabia era que seu chefe era cioso de suas coisas e não admitia que seu ambiente fosse alterado assim, sem mais nem menos. Tanto que ao se deparar com o cano cortado, sem seu conhecimento e autorização, o geólogo ficou puto da vida e imediatamente mandou chamar o responsável:

- Seu Lima, o Senhor poderia me explicar porque cortou o cano da parede externa do laboratório?

Perplexo, o auxiliar retrucou, mas já sentindo que iria entrar pelo cano que cortara:

- É que eu achei que era um cano morto, doutor.

- Pois bem Seu Lima, fique sabendo que o Senhor cometeu um crime, um canocídio, já ouviu falar?

- Não doutor.

- Canocídio ocorre quando o sujeito desatento, como o Senhor, mata um cano vivinho da silva. Onde já se viu Seu Lima, amputar o cano sem necessidade?! O Senhor me faça o favor de restaurar imediatamente o cano cortado.

- Pois não, doutor.

Depois que o auxiliar saiu, não satisfeito com a ordem de restauração e visando a evitar novos canocídios, o geólogo expediu o seguinte memorando ao chefe do serviço de manutenção do Instituto:

“A partir desta data, fica decretado que qualquer cano do laboratório só será considerado morto, após a devida expedição do atestado de óbito por esta chefia. Cumpra-se.”

De outra feita, chegou uma visita inesperada ao laboratório. Uma autoridade geológica americana, em visita ao Instituto, resolveu, de última hora, conhecer o laboratório.

Conforme já esclarecido, o laboratório do Instituto era muito simples, destinado quase que exclusivamente ao preparo de amostras para petrografia e análises químicas feitas externamente. Não possuía equipamentos sofisticados e mesmo o mobiliário era bastante modesto. Depois de examinar o ambiente, com aquela cara de quem duvidava que ali se fizesse qualquer análise, o visitante perguntou, em inglês, certamente curioso da resposta, como se fazia para controlar a contaminação das amostras. Traduzida a indagação, o geólogo nem pestanejou para responder:

- A gente fecha a janela, uai!

O tradutor, que também era geólogo, ficou matutando em como traduzir para termos menos simplórios e ao mesmo tempo não desqualificar o Instituto. Enquanto pensava, o geólogo foi ficando impaciente e tornou repetir:

- Traduza pro gringo que a gente fecha a janela, sô! Tá com dificurdade no ingrez?

O geólogo tinha o sotaque carregado do interior de São Paulo.

Decorridos mais alguns segundos sem que o tradutor desembuchasse, o geólogo se adiantou e sapecou seu inglês castiço na fuça do gringo espantado:

- Uí close dê uindou! Ok?

Sem esperar mais perguntas, o guia levou o visitante para conhecer outro departamento do Instituto.

Contou-me um colega que chefiou o geólogo por uns tempos que, assim tomou posse no cargo, recebeu um ofício pelo qual nosso personagem solicitava recursos para adquirir uma série de materiais para o decadente laboratório. Após a assinatura vinha um P.S. antológico. Dizia assim:

“P.S. Este ofício é exatamente igual aos dezessete anteriores, com a seguinte diferença: PELO AMOR DE DEUS!”

Outra vez, flagrado pelo furioso proprietário do terreno, colhendo amostras no leito de um córrego, sem ter pedido autorização, nosso geólogo foi duplamente surpreendido. Primeiro, pelo tamanho do revólver na cintura do visitante inesperado. Depois, pela pergunta cortante como navalha:

- Posso saber o que o Senhor tá procurando no meu terreno?

Tentando não perder a calma e ao mesmo tempo, ostentar autoridade, o geólogo respondeu, enchendo a boca com as palavras:

- Estamos aqui, em nome do Governo do Estado de São Paulo, recolhendo sedimentos ativos de corrente para análises geoquímicas de óxidos e elementos maiores, como parte do mapeamento geológico na escala 1:100.000 dessa área, feito pelo Instituto Geocientífico estadual.

O proprietário encostou o cano do 38 debaixo do queixo do geólogo e perguntou, demonstrando que não entendera porra nenhuma e que queria uma resposta convincente:

- E pra que que serve tanta sabideza?

Certamente nosso amigo foi convincente na sequência do diálogo, pois até hoje está aí, vivinho da silva e na ativa, sempre nos divertindo com seus causos deliciosos.