Me perguntas se tenho um grande amigo...
Meu impulso primeiro é dizer sim,
É claro que tenho um grande amigo,
Aliás, não só um, tenho muitos, vários,
E me pego a pinçar nomes, faces,
E vou desfiando uma lista, um rosário,
Carlos, Chico, Zé, Rodrigo,
Dida, Antonio, André, Nazário...
Listaria um caderno, um livro, enfim...
Mas depois me reprimo, a meditar:
Amigo... Amigo em quem possa confiar?
Talvez, deixa ver... Apenas dois... Ou um.
Em verdade, em verdade vos digo: nenhum!
Me perguntas se tenho um grande amigo...
Me ajude então, pensa comigo.
É amigo quem se doa pelo irmão,
Quem se esquece de si, dos seus problemas,
Pra pensar feridas, curar edemas,
Limpar o pranto, estender a mão,
Descer ao fosso, esquecer o nome,
Matar a sede, matar a fome
De quem soluça, de quem extrema
No esquecimento, na solidão?
Nesse caso, nesse caso, deixa ver...
Não é um qualquer, um João comum.
Vamos ver... Três, dois... Não! Um...
Em verdade, vos digo: nenhum!
Me perguntas se tenho um grande amigo...
E então me deparo: estou sozinho.
Mas não é que eu viva retirado
Eremita, andarilho, um mendigo,
Tenho casa, família, vizinho,
Um trabalho legal, sou empregado.
Tenho extensa vivência social,
Vou a festas, comícios, burburinho,
Tenho cartões de doutores, deputados,
Visito parentes em leito de hospital,
Mas amigo, do jeito que disseste,
Que não liga pro bolso nem pras vestes,
Que te serve na bonança e no jejum,
Deixa ver... Três, dois... Não! Um...
Em verdade, vos digo: nenhum!
Me perguntas se tenho um grande amigo...
E enfim me dou conta de que tenho.
Tenho sim, um amigo inseparável,
Que me ouve em silêncio, com respeito,
Que medica as feridas do meu peito,
Que entende as agruras por que peno
Que, se choro, ele chora, inconsolável,
Mas, se rio, se transforma em risos, samba
Que é todo desvelo e compaixão
Companheiro fiel de coração,
Que me faz ser um astro, um deus, um bamba,
Disponível, sem rusgas nem queixumes.
Esse amigo que ama sem ciúmes,
Na tristeza, na dor, na provação...
Não exige de mim pedido algum
Em verdade vos digo, ele é só um.
Esse amigo que eu amo de paixão
É meu velho e sofrido violão.
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