sexta-feira, março 08, 2013

24 horas de cerveja... E outras cositas


Capitão e seus causos


- Bom dia Capitão!
- Capitão! Me dê uma mãozinha aqui por favor!
- Capitão, tem um engovezinho aí ? O fígado hoje tá negando fogo...
Era assim.
As pessoas, para ele, não tinham nome. Todos eram, indistintamente, Capitão.
Isso, desde os tempos de faculdade, diziam seus contemporâneos do curso de Geologia.
Vem daí seu apelido de Capitão.
Se perguntarem a qualquer um que trabalhou com ele, por seu nome de batismo, a resposta só virá após uma consulta ao banco de dados da memória. Quem mesmo? Depois de algumas pistas: Ah!, Você está falando do Capitão!
Dizem as más línguas, embora isso nunca tenha sido confirmado, que ele rezava o Pai Nosso assim: “Capitão que estás no céu....”
Esse é o nosso personagem.
De sua contribuição à geologia estrutural da Borborema não vamos aqui tratar, primeiro por não estarmos à altura. Segundo, porque sua obra, vasta e importantíssima, fala por si só. O geólogo Capitão não precisa de loas desse pobre mortal.
Mas seus textos técnicos, recheados de flexuras, recumbências e rotações sinistras, nada dizem do Capitão boêmio e seresteiro, amante da boa música, da cerveja gelada, das noites de lua e de uma conversa madrugadeira na mesa de um boteco. Jogando conversa fora, lembrando os bons tempos, resolvendo os problemas do país e do mundo. Enfim, um tipo bem brasileiro.
O detalhe, em relação ao Capitão, é que ele tinha dificuldade em parar.
Explico-me.
Sabe aquele ditado, boi pra não entrar e boiada pra não sair? Foi criado para o Capitão. Quando ele começava, isto é, depois de tomar a primeira, não tinha hora de parar. Por isso, só andava de taxi. Já tinha uns motoristas conhecidos, que o deixavam no elevador do prédio, com o botão do andar pressionado.
E assim, após quase quatro décadas de atividades geológico-etílicas, por esse Brasil a fora, o Capitão colecionou causos incríveis, os mais inverossímeis que se possa imaginar e que ele saboreava relatar, com satisfação quase-orgulho, entre gostosas risadas e uns tantos novos tragos.
Vamos curtir alguns deles.


24 HORAS DE CERVEJA



No início, eu achava que havia exageros naqueles causos absurdos, mas comecei a mudar de opinião na festa do dia dos pais de 1992, na Associação de Empregados. Naquele ano, a Associação planejou uma festa de gala, para o sábado antecedente à data magna. Até uma banda regional fora contratada (na época na se dizia banda, mas conjunto) para abrilhantar a festa.
Pois bem, na sexta-feira, véspera da festa, como de costume, fomos todos (falo dos botequeiros, claro) ao bar da Associação, desestressar da semana cansativa, com umas loiras geladíssimas e a famosa lingüiça do Zeca, o funcionário que tomava conta do bar e jogava em todas as posições naquele ambiente.

Tudo correu dentro da mais absoluta normalidade. A partir das 21hs os frequentadores começaram e se retirar, de modo que às 22hs só restavam mesmo o Capitão e o Baixinho, em uma mesa mais recolhida, animadíssimos, sem o menor sinal de preocupação com o esvaziamento do bar e os resmungos do Zeca, que morava na periferia e dependia de ônibus pra chegar em casa.

Baixinho era o melhor amigo do Capitão, um geólogo da mesma laia, isto é, que só tinha hora pra começar. Aliás, registre-se ser o único mortal a quem o Capitão não chamava de Capitão, mas sim de Baixinho, isso mesmo. Tamanha era a deferência.

Às 23hs, quando Zeca ameaçou parar de servir cervejas, o Capitão ordenou do alto de seus 1,90m:

- Capitão, frite aí umas linguiças, deixe a chave do freezer com a gente e pode ir que amanhã nós acertamos a despesa.

Ordens são ordens.

Dia seguinte, 9hs, Zeca chega pra receber o pessoal que ia decorar o local para a festa da noite e levou um baita susto. Lá estão os dois, na mesma mesa e na mesma animação da noite anterior, rindo e contando causos, com se tivessem chegado a minutos. O freezer, praticamente vazio, precisou ser reabastecido com urgência.

- Bom dia Capitão, providencie aí mais umas linguicinhas com macaxeira, que estamos morrendo de fome.

Chegou o pessoal da decoração, decorou e foi embora.

Chegou o pessoal da banda, instalou e passou o som e foi embora.

Chegou o pessoal do bufê, guardou os comes e bebes e foi embora.

E enfim chegou a noite.

E os dois amigos ali, no mesmo lugar, na mesma mesa, a mesma cerveja e o mesmo prato de linguiças.

Finalmente, às 20hs começaram a chegar os casais para a grande festa e o corre-corre das crianças tirou a calmaria do ambiente. Visivelmente deslocados, como se tivessem invadido seu espaço, os dois amigos, finalmente, após 24 horas de bebedeira, decidem parar.

- Capitão, traz a conta aí que o ambiente ficou muito tumultuado.

Feitos os acertos, saem abraçados em busca de um taxi.

Já no portão da Associação, de onde puderam contemplar uma magnífica lua cheia espelhada nas águas do Capibaribe, o Capitão não deixou por menos:

- Baixinho, veja que lua! A noite é uma criança, Baixinho. Ainda são oito horas, tá cedo pra caramba. Vamos tomar uma saideira no Mercado da Madalena!

- Só se for agora Capitão.

E lá se foram os dois, felizes da vida, pelas ruas mal iluminadas da Madalena.

Dois personagens em busca de um novo causo.

Se houvesse no Guiness o item “tempo ininterrupto de bebida em mesa de bar” essa dupla, com certeza, seria imbatível.

Salvador 08/03/2013

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns Nado, vc. é um verdadeiro poeta moderno ! Go ahead.
Abs,
ALCTanajura