quarta-feira, fevereiro 09, 2011

A alma do Brasil

Recentemente retornei a Salvador, desta feita transferido.
O reencontro com a capital do meu Estado (e primeira capital do país), concretizando um sonho antigo, me causou um duplo impacto. Se por um lado, a orla com suas praias bonitas e bem cuidadas; a Paralela, com seus amplos espaços e arquitetura marginal moderna e colorida; a Pituba, feito um arco-iris de prédios alegres como os sons da Boa Terra; e todo o litoral norte e seus empreendimentos de alto nível; como dizia, se por um lado tudo isso evoca uma cidade do século XXI, com sua magia de sons e cores e até com a balbúrdia do seu trânsito; Por outro lado, há um pedaço da cidade, resistente ao tempo, que é como o diabinho da nossa consciência, aquele passado tenebroso que nos assombra.
O Pelourinho e sua arquitetura colonial decadente, é como um filme de suspense macabro. Aos meus olhos, os arcos das janelas e portas dos velhos sobrados são flashes de uma História sofrida que o tempo sepultou, ecos de gritos desesperados esperando ainda serem ouvidos.
Não há como contemplar as velhas paredes de adobe e não imaginar os personagens por trás das seculares camadas de tintas. Os negros de peia, os índios humilhados, os degreados de além-mar, os barões e seus bigodões, os poetas românticos de antanho e suas musas, os sonhadores utópicos da liberdade massacrados em seus sonhos. Enfim, o Pelourinho é um mergulho nas páginas amareladas de nosso passado, manchadas, muitas vezes, de sangue e vergonha.
Nas asas dessa imersão, escrevi uma poesia, que em seguida musiquei, como um samba-canção, que é o ritmo por excelência da alma do Brasil. Uma singela homenagem aos vencidos da História.

Eu sou a alma dos escravos nas senzalas a chorar
Sou um suspiro dos Quilombos, a saudade
Mortal de além-mar
Eu sou a alma do cacique derrotado, na floresta a lastimar
Eu sou a dor do degredado esquecido,
Triste a soluçar


Chora Brasil,
Que a tua historia tem capítulos de sangue e horror
Canta Brasil,
Que a tua música é unguento que ameniza a dor

Eu sou a alma inconfidente, a vergonha esquartejada,
Sou a memória ultrajada
Da minha Nação
Eu sou os ais desesperados das viúvas guaranis
Ajoelhadas sobre o sangue
Que encharcou seu chão


Chora Brasil,
Que a tua história tem capítulos de sangue e horror
Canta Brasil,
Que a tua música é unguento que ameniza a dor


Eu sou a alma enamorada dos poetas, seus harpejos
Em noite fria a decantar um amor
Que se perdeu
Eu sou a alma endurecida dos caboclos sertanejos,
Que a triste seca expulsa e humilha
Mas jamais venceu


Chora Brasil,
Que a tua história tem capítulos de sangue e horror
Canta Brasil,
Que a tua música é unguento que ameniza a dor



Salvador, 04/02/2011

Um comentário:

O Tempo Passa disse...

Cara, se um dia a geologia te deixar, vc pode ganhar a vida como poeta, escritor e músico. Podes crer!