quinta-feira, novembro 22, 2007

Receita de Pai André

E então fui ao Preto Velho, Pai André,
Pra lhe falar da minha dor... Essa paixão
Que me adoece. Nem me mata e nem se cura,
Meu contra-senso: minha vida e meu caixão.
E ali, no breu do Pajeú, em pleno vale,
Á luz da lua e ao pio do caburé,
Sangrei o peito do veneno e da tortura,
Mas o velho me atalhou; - Nada me fale,
Tua dor é incurável... É uma mulher

- Tiro encosto, afasto mau-olhado,
Desavesso home afeminado,
Encontro coisa perdida,
Fecho a mais funda ferida,
Curo maleita, malária, caxumba,
Tifo, sezão... Desfaço macumba.
Rezo febre, catapora e sarampo.
Rastreio gado sumido no campo.
Tenho ervas pra dor de cabeça,
Mesinhas pra tudo que o corpo padeça.
Saro a picada da cobra mais mortal,
Seja cascavel, urutu, cobra coral...

- Mas, meu filho, vou lhe ser bem franco:
Te acalma, te assenta aqui nesse banco.
Pra esse mal que se aninha em seu peito,
Pra esse mal... O velho não dá jeito.
Até hoje procuro e não acho
Uma reza, uma erva, um despacho,
Uma porção, talismã ou lambedor,
Que extirpe e cicatrize esse tipo de dor,
Mas tu, meu filho, só tu podes te curar.
- Mas como, pai André!? Pode falar!

-Não há, em todo o recurso disponível,
Algo que cure o amor impossível,
Mas, há um jeito, se quiser ter paz,
Pra que não morras cedo, pois és tão rapaz,
Porém, é muito mais difícil que parece:
Esquece essa mulher, meu filho, esquece!
Fica a ferida, mas a dor estanca.
Arranca essa mulher do peito, filho, arranca!

- Como essas marcas perenes de caliça,
O amor é uma marca na alma, irremovível,
Ferida latente, que adormece apenas.
Mas quando um sonho, uma lembrança o atiça,
Acorda em fúria, quais loucas sirenas,
A estourar o peito, num sufoco horrível!
Te devorando... Abutre na carniça.

Então, seguindo velho instinto,
Me embrenhei na mata mais sombria,
Para espanto da cotia e da graúna,
O peito a explodir de dor, não minto.
Junto ao tronco da mais grossa baraúna,
Enfim, quando já o sol se abria,
Empunhei meu machado mais distinto

Em secreto transe, ali orei,
Implorando a Deus força e vontade
Para o fim descomunal que me propus:
Seja o tronco que escolhi e que beijei,
O objeto do meu mal, meus urubus,
Que me devoram vivo, sem piedade,
Mas que agora, decidido, enfrentarei.

E tome uma machadada!
E tome duas machadadas!
E tome dez, e tome cem e tome mil!
E tome minhas noites sem dormir!
E o que a vida me trouxe e que nem vi!
E tome minhas horas de agonia!
E tome o desespero desses dias!
E tome as respostas que não deste!
E tome meu sorriso, que murchaste!
E tome as cachaças que tomei!
E tome os prantos todos que chorei!
E tome esta saudade que me mata!
E a dor que me sufoca e arrebata!

E tome dez mil machadadas!
E tome os pesadelos mais terríveis!
Os monstros dos infernos mais horríveis!
Tome os versos loucos que te fiz!
Tome meus rabiscos, meus croquis!
E todas as bobagens que nem viste!
E tome os dias que passei, tão triste!
E tome meus suores, meus tremores,
Meus cuidados, meus silêncios, meu temores!
E tome as canções que nem cantei,
E os beijos – tantos - que nunca te dei!
Tome, enfim, meu verso, teu escravo
Em troca me liberto... Enfim, me salvo.

E quando a velha baraúna enfim, caiu,
Caí, também, prostrado de cansaço.
No céu, morria o dia em tépido mormaço...
Senti que algo do peito, em dor, também ruiu
E tive a nítida impressão que, do espaço,
Nívea estrela e me fitar, me dera o braço
E o firmamento todo, solidário, a mim sorriu.

Saí da mata leve, embora triste
Pois lá no fundo o teu olhar vivia e vive.
Não consegui matar o amor que em mim convive
E se eu existo, se eu respiro... Ele existe.
Mas decidi que a vida continua
E a dor não apaga o sol, a rima, a lua
E todo o Belo, que afinal, persiste

Era uma noite linda, de São João
Uma fogueira só, todo o Sertão
Cantores versejando no terreiro,
Meninos festejando o padroeiro,
Folguedos, brincadeiras e alegria
E então... Vi um sorriso... Uma magia.

O amor de um só, como já disse, é incurável.
E o teu há de morrer aqui comigo,
Cordão pra sempre atado ao meu umbigo.
Mas entendi que existe um amor a dois, estável,
Não aquele que é o maior do mundo,
O mais fatal, mais tudo e mais profundo,
Mas o que torna a dor mais suportável

Não sei se sou feliz... Não me pergunto.
Apenas vivo e os dias me são leves.
Não busco mais o que não posso ter,
Nem busco explicação de complicado assunto.
Que corra livre o rio! Não o vou deter.
Se não me queres, pena! Não me serves.
O amor é muito mais que viver junto.



Rio, nov/2007

Um comentário:

Anônimo disse...

Minha Bisavó era mãe de santo. O nome da sua casa era Tenda Espírita Pai André. O chefe espiritual da casa era o preto-velho Pai André.

Achei legal ouvir falar de Pai André, pois pouco vemos essa entidade por aí.

"Deus salve os seus caminhos limpos e livres" (Pai André)