quarta-feira, outubro 03, 2007

Estúpido espelho

Ontem fiz aniversário.
Sabe quantos?
Muitos! Muitos anos...
Tantos, que já não os conto mais nos dedos.
Mas, enfim, hoje acordei mais velho.
Se mais não fosse, o espelho não mente.
Bigode chinês, pés-de-galinha, rugas na testa,
E os teimosos fios grisalhos...
O inatingível Tempo a nos lembrar
A finitude e a urgência da Vida.
Na verdade, tenho um ano menos de vida.
E o que isso significa?
Não sei... Quem saberá?
Eis a pergunta que rola,
Desde o tempo das cavernas
Afinal, qual é o grande Mistério?
Qual é o fio que liga passado, presente e futuro?
O espelho me cobra.
Não sei se vivi bem, se mal vivi... Não sei.
Se me permitem,
Tenho sido um desastre.
Não que tenha feito planos mirabolantes,
Mas sempre vivi papéis chinfrins,
Em histórias alheias.
Nunca fui protagonista...
Fingindo aqui, ajeitando ali,
Tocando em frente... É isso.
Ao sabor dos ventos,
Mascarando as frustrações nos vapores das noites insones,
No calor do trabalho insano,
Na frieza de amores mundanos.
Mas tergiversei e a pergunta não quer calar:
“E a vida, o que é, diga lá meu irmão?!”
Não sei se o poeta obteve a resposta.
Cá pra mim, sou cheio de dúvidas,
Mas vejo a natureza tão bela e tão simples,
Os animais sem complicação, seguindo seus instintos.
Vejo a beleza do pôr-do-sol e do amanhecer,
E pressinto que o grande Mistério está aí, à nossa vista,
Bem à nossa frente.
Mas não para ser desvendado,
Esse é o Segredo.
O Mistério da vida é para ser sentido, respeitado.
Entendê-lo, decifrá-lo, não é da nossa competência,
Que não somos deuses.
A inteligência devassa os reinos da ciência;
O instinto ratifica as leis atávicas da evolução,
Mas só a intuição explora o campo dos sentimentos superiores,
Carentes de lógica, para a inteligência,
Inalcançáveis para o primarismo dos instintos.
Então retorno ao começo:
Hoje estou mais velho,
Isso é bom ou ruim?
Não sei.
Venci um câncer,
Mas a que custo?
Tudo tem um preço... Não me iludo.
E daí? A pergunta persiste.
Meus instintos só retornam indiferença.
Minha inteligência pede insumos que não tenho,
Logo, ela não processa.
Mas minha intuição se apresenta.
Ela diz que as rugas e os fios grisalhos
São ponteiros do relógio,
Não do tempo que se foi,
Mas do que falta.
São alarmes a me inquietar:
O que és?
O que queres?
Que fizeste?
És feliz?
Que te falta?
Vai à luta, que o dia de hoje pode ser o último!
Queixas-te da tua vida e o que fizeste para mudá-la?
Escreve tua história, cara!
Reage! Ainda é tempo!
....................................
Mas, como dizia, ontem fiz aniversário.
E cortei um bolo,
E soprei muitas velas,
E bebi muitas cervejas,
E me embriaguei de brigadeiros,
E me empapei de empadas,
E me atochei de coxinhas,
E quando todos se foram,
Dormi como um tronco,
E ronquei como um bronco,
E acordei morto,
De certeza, todo torto,
E corri ao banheiro,
E me vi no espelho
E perguntei:
- Amigo, amigo meu, como estou?
E ele, cruel e gozador:
- Um barrigão imenso,
- Uma ressaca infeliz,
- Mas essa afta na ponta da língua está um charme!
.........................................
Quantos anos fiz?
Muitos! Muitos anos...
Tantos, que já não os conto mais nos dedos.
O passado ficou debaixo dos meus segredos.
O futuro se esvai nos cachos dos meus cabelos.
E o presente é o escracho desse estúpido espelho.

Brasília, 03/10/2007

Um comentário:

Anônimo disse...

É pai. Fez mais um ano de vida. Um ponto cronológico que contamos para chegar em algum lugar.
Fez alguns sofrerem. Fez muitos sorrirem.
Fez boas ações. Fez más? provavelmente. Mas agiu.
Fez filhos. Vida. Contribuiu consideravelmente para a continuação da espécie.
Passou por altos e baixos, como todos. Venceu obstáculos, como poucos.
Ouvi uma vez que o que é realmente relevante em nossas aquisições, é o que se leva para cadeira de balanço: Histórias, experiência, vivencia, conselhos.
Nem futuro nem passado. O presente é o único que está com você a toda hora. Neste exato momento, dê atenção a ele.
Questionamento todos temos, mas a resposta está em nossas mãos. Pra onde irei? Não sei. Mas aonde eu quero chegar?

Cabelos brancos? branco é a cor da paz. Os antigos não são sábios por acaso.

Feliz aniversário e muitos anos de contribuição para o mundo.