terça-feira, setembro 18, 2007

Lírico divã

Mas tem dia que a tristeza me domina,
Uma tristeza que me vem não sei de onde...
Que vem chegando e já se instala, nem se esconde...
Que desconcentra, desconcerta e desanima.
Fica em meu peito cutucando, dor e estresse,
Um não sei quê, que não se lembra e nem se esquece,
Que murcha o riso, esmorece e desatina.

Então rebusco lá no fundo da memória,
A ver se encontro uma desculpa, uma razão,
Mas só acho desencontros, confusão,
Imagem fosca, luz mortiça e luta inglória,
Uma saudade que não sei dizer de quê,
Mas que tortura, atormenta e faz sofrer,
Lança e vinagre cravados na minha história

Mas não desisto, continuo a rebuscar,
Desatando os nós curtidos da lembrança
E me transporto aos dias longes de criança,
Pelas trilhas, pelos campos a brincar.
E lembro as missas de domingo, o terno branco,
A casa antiga, a velha praça, o velho banco...
A escuridão e as cantigas de ninar.

E lembro os dias do Ginásio, a adolescência,
As primeiras serenatas ao luar.
Sinto o frio das madrugadas me gelar,
Curtindo a dor do amor primeiro, a quintessência
Do perfume que ficou da namorada,
Do beijo urgente no batente da calçada.
E lembro as juras calorosas da inocência...

Depois, revejo o dia triste da partida.
Era Natal, era uma tarde de dezembro,
O pai calado, a mãe chorando... Inda me lembro
O olhar de espanto dos irmãos na despedida,
A mala pobre, o medo, a dor... Dinheiro pouco...
E na cabeça, a fervilhar, um sonho louco
De tecer meu destino na teia da vida.

No Sul, a dor da solidão e o preconceito,
A luta ingente pelo pão de cada dia,
O terror da repressão, a covardia,
Os porões da ditadura, a dor no peito,
Mortas ilusões, sofrida juventude
De privações, mas de coragem e atitude.
No Sul, a dor inglória, mas... Um homem feito.

E então a estrada e a liberdade e o meu país...
E enfim, a grande decisão, o grande passo:
Fios sem liga, teia frágil, meu fracasso.
Daí a fuga, a volta... A fuga... Anos febris...
Depois loucura, amores breves, vãos momentos,
Que foram novos fracassados casamentos.
Sempre presa das mulheres, seus ardis.

E vão-se os anos a voar, como num clique.
De repente, lá no espelho, um fio grisalho,
E no olhar, um brilho fosco de borralho,
E no ouvido o brado de um cruel repique,
A ecoar: “Bufão! Que fizeste da vida?”
“Levaste a te enganar de partida em partida,”
“Diga-me agora se foi bom o piquenique!”

Não! Respondo. Não! Não vivi a mocidade.
Não tive aquele amor de se querer morrer...
Que fiz de mim? Usei mulheres sem viver...
De bar em bar, boêmio louco da cidade,
E hoje colho esse cansaço, esse vazio.
Por isso, falta a chama do pavio,
E não sabia de onde vinha essa saudade.

Mas agora, finalmente abro a ferida:
Fui um covarde a me afogar no desamor,
Não respeitando nem a dor... A própria dor.
Fiz um rosário só de adeus e despedida.
E então percebo porque tanto andei chorando,
Anos e anos perguntando, questionando
A explicação dessa saudade tão doída.
O que me mata, na verdade, agora sei,
É a saudade das saudades que evitei;
É o gosto amargo de não ter vivido a vida.

Bsb, julho de 2007

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