terça-feira, setembro 04, 2007

Janela para a vida

Inda me lembro bem o dia,
Era uma segunda-feira de meu Deus.
Da janela do hospital, senti o pulsar da vida lá fora,
A passar, singelamente, pelas calçadas.

Vi a luta impressionante do velho e sua bengala.
Só. Lentamente. Tropegamente.
A percorrer 50 metros de banho de sol.
Parando ofegante, olhando o infinito...
E prosseguindo.
Quanta fibra! Quanto fiapo de vida valorizado!
Mas vi, sobretudo, no olhar do bom velhinho,
O prazer de um passeio sob o sol,
E quase ouvi a lição de suas veneráveis mechas brancas:
De que a vida pede pouco,
Deus oferece muito
E que o sol está aí, pra banhar a todos.

Vi a moça muito branca, colo à mostra, pernas de louça,
A se abanar e se apressar para o lado da sombra.
Seus passos rápidos traíam a ânsia de um encontro importante...
Um novo trabalho? Namorado? Uma consulta?
Quem há de saber?!
Mas vi latente em sua ansiedade, a esperança.
Desapareceu sob a marquise do prédio,
Deixando um rastro de vida a pulsar
E quase pude ouvir a lição de seu rosto afogueado:
De que o dia convida à luta,
E que a esperança é filha do esforço,
E que os dias são todos iguais,
Despertadores divinos que não nos custam nada.

Vi a babá dedicada e seus dois diabinhos loiros,
Gêmeos, sem dúvida, a traquinar no gramado,
Em luta de vida ou morte por um copo plástico.
Testemunhei a amargura dos pestinhas,
Quando o objeto da disputa caiu no canteiro cercado.
Acompanhei seus dez segundos de decepção,
Antes que um vira-lata transeunte lhes recordasse que a vida continua.
Vi o sorriso complacente da babá e seus cuidados
Com a hora, a água, o lanche, a rua...
Quase ouvi a lição daquele trivial conluio amoroso:
Que a vida é simples;
Que os valores das coisas não são intrínsecos,
Somos nós que as valorizamos;
E que há sempre portas abertas em nossa volta,
Mas precisamos ter olhos de vê-las.

Vi mais, muito mais, naquela segunda-feira de meu Deus.
Vi homens suarentos, apressados;
Senhoras tranqüilas, com seus cães;
Jovens barulhentos, em bandos despreocupados;
Um pregador solitário, sem platéia;
Um vendedor de churros, um engraxate...
E quase ouvi a lição do burburinho das gentes a passar:
Cada um tem uma história a escrever
E todos querem produzir um final feliz;
E por isso lutam e correm e sofrem e riem
E é justamente nesse afã que a vida pulsa;
E é esse pulsar da vida que arrebata.

Enfermeiras me chamam de volta ao leito,
Para o soro, o remédio, o sangue, a sonda...
E em breve o silêncio do quarto me assombra.
E me pego a refletir as lições da janela.
Venda a faina das pobres que socorrem,
Trocam curativos, limpam, alimentam,
Brincam, brigam, reanimam...
E quase ouvi a lição das vidas que cuidam de outras vidas:
De que a teia do destino é muito frágil,
E no choro de dor dos que sofrem
E no choro de amor dos que amparam,
Nessa mescla de luta conjunta,
Nesse plasma de lágrimas santas,
Deus nos mostra a lição das lições:
De que uns precisamos dos outros.
E é nesse enlace de doação e esperança
Que a vida pulsa, mais forte e mais viva,
Ao influxo potente do Amor.
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Bsb, agosto de 2007

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