domingo, maio 19, 2013

Fui da táxi... Aéreo


Capitão e seus causos
- Bom dia Capitão!
- Capitão! Me dê uma mãozinha aqui por favor!
- Capitão, tem um engovezinho aí ? O fígado hoje tá negando fogo...
Era assim.
As pessoas, para ele, não tinham nome. Todos eram, indistintamente, Capitão.
Isso, desde os tempos de faculdade, diziam seus contemporâneos do curso de Geologia.
Vem daí seu apelido de Capitão.
Se perguntarem a qualquer um que trabalhou com ele, por seu nome de batismo, a resposta só virá após uma consulta ao banco de dados da memória. Quem mesmo? Depois de algumas pistas: Ah!, Você está falando do Capitão!
Dizem as más línguas, embora isso nunca tenha sido confirmado, que ele rezava o Pai Nosso assim: “Capitão que estás no céu....”
Esse é o nosso personagem.
De sua contribuição à geologia estrutural da Borborema não vamos aqui tratar, primeiro por não estarmos à altura. Segundo, porque sua obra, vasta e importantíssima, fala por si só. O geólogo Capitão não precisa de loas desse pobre mortal.
Mas seus textos técnicos, recheados de flexuras, recumbências e rotações sinistras, nada dizem do Capitão boêmio e seresteiro, amante da boa música, da cerveja gelada, das noites de lua e de uma conversa madrugadeira na mesa de um boteco. Jogando conversa fora, lembrando os bons tempos, resolvendo os problemas do país e do mundo. Enfim, um tipo bem brasileiro.
O detalhe, em relação ao Capitão, é que ele tinha dificuldade em parar.
Explico-me.
Sabe aquele ditado, boi pra não entrar e boiada pra não sair? Foi criado para o Capitão. Quando ele começava, isto é, depois de tomar a primeira, não tinha hora de parar. Por isso, só andava de taxi. Já tinha uns motoristas conhecidos, que o deixavam no elevador do prédio, com o botão do andar pressionado.
E assim, após quase quatro décadas de atividades geológico-etílicas, por esse Brasil a fora, o Capitão colecionou causos incríveis, os mais inverossímeis que se possa imaginar e que ele saboreava relatar, com satisfação quase-orgulho, entre gostosas risadas e uns tantos novos tragos.
Vamos curtir alguns deles.



FUI DE TAXI... AÉREO


Naquele sábado, conforme combinado, exatamente às 09:00 hs, lá estavam os dois, o Capitão e o Baixinho, para desassossego do Zeca, acomodados na mesa sob a mangueira do boteco da Associação, dando início à série interminável de pedidos:
- Duas Serra Grande e uma gelada... E vá fritando umas linguiças aí Capitão.
Era o sinal. Zeca já sabia que o sábado prometia.
Resignado, foi tratando de atender seus dois clientes, mas de vez em quando advertia, ele que já era gato escaldado, como se diz:
- Olha aqui Capitão, hoje não posso ficar até tarde, vou logo avisando. Tem o aniversário de meu neto às sete da noite. Preciso sair daqui no máximo às cinco. Ouviram bem?
E assim, aquela bela manhã ensolarada escorreu preguiçosa, como as águas do Capibaribe. Os dois amigos bebericando suas brancas e loiras, as linguicinhas que Zeca sempre renovava, um forrozinho gostoso como fundo musical, papo vai, papo vem, um que outro frequentador dando o ar por ali, para uma rápida saideira, uma brisa gostosa... Quem pode querer mais alguma coisa?
O Baixinho queria.
Já era meio-dia e o Baixinho queria comer carne de bode:
- Capitão, aonde vamos comer uma costela de bode seca hoje?
Capitão ficou um instante pensativo, piscando os olhinhos miúdos, atrás das lentes. Depois, consultou o relógio, olhou alguns segundo para o Baixinho, com um olhar desafiador e provocou:
- Baixinho, quer comer a melhor costela de bode de sua vida?
- Só se for agora Capitão. Aonde é?
Sem responder, o Capitão tirou uma miniagenda da indefectível capanga de couro que usava, e passa que passa folhas, até que localizou o que procurava e dirigiu-se ao Orelhão da Associação, fora do alcance dos ouvidos do Baixinho.
Depois de um tempo enorme, talvez uns 15 minutos, o Capitão retornou com ar de menino que ganhou presente, virou a Serra Grande que o aguardava, de um só trago, e anunciou:
- Baixinho, vamos comer uma costela de bode com andú no restaurante Pai de Chiqueiro, do meu amigo Caroço. Você nunca comeu nada igual.
- Beleza Capitão, e aonde fica esse restaurante?
- Besteira, Baixinho, fica aqui pertinho. Zeca, a conta por favor!
Baixinho estranhou essa presteza em pedir a conta e insistiu no endereço.
- Aonde fica esse restaurante, porra?
- Aqui pertinho Baixinho. Em pouco mais de uma hora a gente tá lá.
- Uma hora?? Tá doido Capitão? Vamos viajar, é?
- Pois é Baixinho, é um pulinho só. Zé Brandão já tá nos esperando no Aeroporto... Temos que sair logo.
- No Aeroporto?? Porra Capitão, daqui lá não dá nem 15 minutos.
- Pois é, mas de lá pra Serra Talhada é coisa de uma hora e meia, ele me garantiu.
Baixinho quase se engasgou com o o copo de cerveja:
- Serra Talhada??? Endoidou, foi Capitão? São mais de 400 km, porra.
- Então... Por isso mesmo já reservei o taxi aéreo de meu amigo Zé Brandão, mas temos que nos apressar. Ela vai nos levar e trazer e não se preocupe com o custo. É por minha conta.
E, antes que o Baixinho protestasse:
- Já liguei pro Caroço e mandei fazer o bode. É o tempo da gente chegar lá.
Para surpresa e alívio do Zeca, os dois saíram rapidinho, desesperados em busca de um taxi e se mandaram.
Quarenta minutos depois, Zé Brandão taxiava seu velho Sêneca de quatro lugares, no Aeroporto dos Guararapes, rumo a Serra Talhada, levando os dois amigos, um isopor com 24 latinhas de cerveja e uma garrafa de Serra Grande, que compraram ali mesmo no Aero Shopping. Capitão se empolgou:
- Pisa fundo aí Brandão, que eu não gosto de bode frio!
Por volta das 14:00 hs, atendendo um pedido do Capitão, Zé Brandão deu dois rasantes sobre a rua do restaurante, causando alvoroço na cidade.
Era o sinal para Caroço ir, pessoalmente, recebê-los no campo de pouso.
Depois de uma volta pela cidade, pra matar saudade, por fim chegaram ao Pai de Chiqueiro, onde velhos amigos, avisados por Caroço, já estavam a postos, para uma tarde de muito bode, cerveja, cachaça e causos sem fim.
Quando deu 16:00 hs, Zé Brandão, que já não aguentava mais de tanto refrigerante, alertou:
- Temos de decolar no máximo às 16:30 hs, porque depois das 18:00 hs não posso mais pousar no Guararapes.
Após muita insistência do piloto e não sem antes reabastecer o isopor, a caravana decolou de volta ao Recife, dando mais dois rasantes sobre o Pai de Chiqueiro, para delírio dos amigos que lá aguardavam a performance anunciada.
Durante o trajeto, além do estoque líquido, ainda se refestelaram com uma marmitex de pernil de bode, oferta especial de Caroço.
Já o sol descambava por trás de Aldeia, quando Zé Brandão fez um pouso perfeito no Guararapes, fato que mereceu a última comemoração a bordo, da insaciável dupla.
Vendo-os andar em terra, lépidos, firmes e dispostos como nunca, Zé Brandão se admirou da resistência de ambos e desejou que todos os seus clientes fossem assim tão bem resolvidos e, sobretudo, bons pagadores.
Quando finalmente se liberaram do balcão da companhia, após o pagamento do vôo, já era noite fechada. Mas, na fila, enquanto aguardavam o taxi, o Capitão vislumbrou no céu nublado, uma nesga de lua crescente, lá pelas bandas de Boa Viagem.
O coração de boêmio pulsou mais alto e quando embarcaram, o Capitão, antes de fornecer o endereço, consultou o amigo:
- Baixinho, aonde vamos tomar a saideira?
Como se estivesse esperando a pergunta, o Baixinho devolveu de primeira:
- Vamos fazer uma surpresa pro Zeca. A gente toma uma no aniversário do neto dele, lá no Ibura de Cima, e depois vamos pro Gogó da Ema, na Iputinga. Lá tem forró e seresta mais tarde.
- Eita Baixinho da porra! Toca pro Ibura de Cima, motora, que a noite é uma criança!
Salvador, maio de 2013