É senso da tradição popular que milagre é obra apenas de santo. Sem pretender criar polêmica em torno dessa assertiva secular - há quem torça o nariz para essas coisas de milagres – quero apenas dar meu modesto testemunho de que, no causo de que aqui se trata, a tradição revela a mais pura e sacrossanta verdade.
Prepare-se, amigo ou amiga, para tomar conhecimento de curioso e secretíssimo milagre, operado por um Santo... Mas daqui mesmo, dessa terra velha de guerra. Dado e passado no ano de 1980, lá pelas bandas do rio Oiapoque, nos confins da Mãe Gentil, numa tarde morna de verão, sob as vistas incrédulas de duas testemunhas que juraram levar o segredo consigo para o túmulo.
O fato é que o fato, em seus mínimos e fiéis detalhes, a mim chegou e eu os guardei, por mais de duas décadas, sob força de inquebrantável compromisso moral. Mas é chegada a hora de levantar o véu do tempo e deixar vir ao palco a Verdade... Inteira... Nua... E espantosa.
Que a minha fonte descanse em paz, à sombra do salgueiro eterno, em algum bosque tranqüilo do sétimo céu, onde agora reside! E que me perdoe a incontinência escrita! Mas pesou-me demasiado ser o último portador desse mistério. Que unicamente a força da Verdade guie minhas mãos trêmulas! E que me sequem as veias e enrijeçam os dedos, se uma única vírgula do aqui registro, expressar a mais mínima mentira! Por testemunhas insuspeitas, invoco as sumaúmas silentes, os inquietos pirarucus e as hordas de carapanãs, senhoras insaciáveis das vaporosas tardes amazônicas.
Desde o nascimento, carregou o estigma de ser Santo*. Santo de nome. Na escola, nas brincadeiras de rua, no ginásio, na faculdade... O trocadilho infame com as referências da igreja católica o haveria de perseguir pela vida a fora. Apesar disso, forçoso é dizer que o Santo nunca foi um santo. Entendam-me! Não que ele tenha sido um demônio. Longe disso! Mas, também, um pecadinho aqui, outro ali, coisinha assim, de mineirinho come-quieto, isso ele sempre espalhou, por esse Brasil de meu Deus, onde exerceu o mister de geólogo desbravador de nossos mais recônditos segredos minerais.
Até que um dia aportou no Oiapoque, em campanha de amostragem geoquímica. Antes de empreender viagem, nosso protagonista, espírito pesquisador nato, buscou se inteirar sobre a região. E foi aí que tomou ciência do fenômeno da pororoca, algo que remontava, vagamente, às longínquas aulas de geografia primária. Afora a lírica lembrança da professora Dalila (que pernas!), o fenômeno não lhe despertou mais que displicente curiosidade.
Mas, além de Santo, nosso personagem, por precoce fatalidade, sofria de esquisita tremedeira nas mãos, incômodo que se acentuava dramaticamente, ante situações de estresse emocional. Tipo assim ser chamado à sala do chefe. Ou enfrentar turbulência, em viagens aéreas, seu maior suplício. Nessas circunstâncias, o mal se agravava e ele, constrangido, fazia coisas precipitadas, no afã de fugir ao vexame da tremedeira pública.
Sem mais delongas, entretanto, voltemos ao causo! Mas não julque, amigo ou amiga, que me alonguei desnecessariamente. Todo esse intróito é absolutamente importante para a cabal compreensão dos fatos que se passaram naquele bucólico fim de tarde. A estatura psicológica do nosso Santo, digamos assim, é que vai determinar o desfecho inesperado desse causo, sem nenhuma sombra de dúvida, um dos mais autênticos milagres já ocorridos nessa Terra voraz, desde que por aqui passou o Filho do Homem.
E note, amigo ou amiga, que o Filho, além do Homem, contava com doze fervorosos apóstolos aqui embaixo, para qualquer eventualidade. Quanto ao nosso Santo – coitado! - contava apenas com o nervosismo de um técnico descrente, cheio de pecados, e a quase-indiferença de um barqueiro bocó que, no afã de manter o barco a salvo, nem se apercebeu direito do que se passou bem diante de seu nariz.
Apois bem! Corria a tarde modorrenta e úmida. Perdido na vastidão do Oiapoque, singrava sereno, o barquinho de alumínio, no rumo da margem esquerda, para a coleta da última amostra do dia. Tudo era tepidez tropical e calma e mormaço, sob o enlevo sonolento do valente motor de popa.
De repente, assim... Muito sorrateiramente, um vago barulho começa a se ouvir. Distante. Grave. A princípio, ninguém liga. O barqueiro parece alheio ao mundo, em sua luta com as vagas. Mas, eis que o zumbido torna-se ronco... Algo assim, como o urro de uma fera. A superfície tranqüila entra em crispações rebeldes, marolas persistentes, pequenas ondas... Como que despertando da tediosa modorra, o barqueiro nota cardumes compactos a subir o rio... Estouro de boiada subaquática. Bandos barulhentos de aves em alvoroço pareciam exércitos em retirada: desordenados, excitados. O ar adensa-se. A tensão se instala.
Ninguém diz palavra. Os olhos buscam respostas, mas são os ouvidos que vão registrando, segundo a segundo, o aumento do barulho, como o troar terrível de tambores de guerra, assombrando a floresta. Trovão ricocheteando nas serranias. Sei lá!
Dentro do Santo, algo lhe dizia do perigo iminente, mas quando as ondas começaram a empinar o barco, tentando empurrá-lo de volta, nesse momento seus instintos aguçados liberaram toda a tremedeira represada, como se fosse o acionamento de escudo automático. Agora, já se ouviam barulho de árvores caindo. Num sonho surreal, o Santo reviu, enquanto avaliava o ambiente, a professora Dalila de pernas cruzadas, atazanando os alunos, nas aulas de geografia... O que mesmo ela disse sobre a pororoca? As lembranças eram muito imprecisas, menos as pernas roliças da professora.
Então se ouviu um estouro medonho, rio abaixo. Funcionou como um despertador. Pois, num piscar de olhos, todos gritaram, ao mesmo tempo:
- A pororoca!!!!
Bastou. A tremedeira do Santo passou a abalo sísmico. Dominado por um nervosismo indescritível, ele já se via tragado pela maré lamacenta que daqui a pouco engoliria tudo o que encontrasse pela frente.
Ninguém sabia o que fazer direito. O Santo entrou em cataclismo. O técnico descrente rezava baixinho, jurando converter-se, se escapasse daquela. O barqueiro tentava desesperadamente atingir a margem, que estava a não mais de 20 metros, mas a força das ondas era bem maior que a potência do pequeno motor. Com rara perícia, ditada pelo instinto de sobrevivência, ele postou o barco em posição enviesada, usando a energia das ondas a seu favor, o que lhe permitiu redirecionar o veículo no rumo da margem, embora de forma bem esquisita e para longe do alvo geoquímico. A margem estava ali diante dos olhos, mas a pororoca já lambia o barco. Era questão de segundos. Em manobra arriscadíssima, o barqueiro conseguiu “surfar” numa onda, esperando ser lançado contra a margem. Agora, era tudo ou nada, pois a onda principal já apontara na curva, num cenário de filme de terror. O barco já perdera a estabilidade e o naufrágio viria em seguida. E a terra firme, agora, estava a menos de dez metros.
Pois bem, meu amigo e minha amiga, foi aí, exatamente nesse momento, que o milagre se fez. Desafiando todas as normas de segurança e pegando todos de surpresa, o Santo levantou-se, postou-se na borda do barco, inspirou todo o ar que havia naquele momento nos céus do Oiapoque e... Saiu em disparada. Isso mesmo! O Santo, talvez impulsionado pelo vai-e-vem descontrolado das pernas, desembestou-se por SOBRE a superfície encrespada das águas, sem afundar um só milímetro, inclusive desviando-se do emaranhado de cipós, com inusitada maestria. Pousou em terra firme bem antes dos companheiros e ainda os ajudou no desembarque apressado, a tempo exato de se livrarem da onda assassina. Não sei se o leitor ou leitora se deu conta do que se passou: nosso Santo andou por SOBRE as águas, como São Pedro, como Jesus, como os santos da tradição. "O homem parecia de isopor!", foi a observação final feita por minha fonte, ao me contar esse causo.
Foi somente quando a adrenalina baixou e o vermelho dos lábios se refez, que os olhos das duas incrédulas testemunhas cravaram no Santo a pergunta que as bocas se recusaram a fazer:
- Como você conseguiu isso?
Mas ninguém ousou perturbar o silêncio pós-pororoca. Na verdade, havia mesmo certo medo, como se as palavras pudessem subtrair o encanto daquele milagre. A figura do colega, agora , emanava uma auréola respeitosa, que infundia silenciosa reverência, apenas isso.
E então, mais uma vez surpreendendo, foi ele mesmo que quebrou o silêncio, ao convocar os colegas, como se nada tivesse acontecido:
- Vamos lá minha gente, que ainda falta uma amostra!
E mais não disse e mais nada se lhe perguntou. E os anos voaram tão rápido como aquela pororoca. E as duas únicas testemunhas oculares deixaram de contar o ocorrido, por não suportarem as chacotas e a falta de crença das pessoas. E o milagre foi se desvanecendo sob o véu do tempo.
De minha parte, quando dele tomei conhecimento, não duvidei. Pelo contrário. Dele tenho a mais cristalina certeza e aposto que as coisas aconteceram exatamente assim. E inda digo mais, esses milagres não eram raros na vida do Santo.
Certa vez, a pequena aeronave em que viajava entrou numa turbulência amazônica, daquelas em que a gente acha que chegou o fim. As rajadas de vento faziam o avião subir e descer, como se fosse de papel. Então, um amigo viu com aqueles olhos que a terra há de comer. Ele jura que viu o Santo flutuar, 20 centímetros acima da poltrona, em transe, paradinho da silva, enquanto todos pareciam surfistas sem prancha. E meu amigo me disse que ficou tão espantado, que nem ousou lhe fazer pergunta alguma. Até porque, quando se restaurou a tranquilidade, ele só se preocupou mesmo foi em tomar uma dose de uísque.
Pois é...
Hoje, aqui no bem-bom de um quarto de hotel, lembrei-me dessas coisas passadas há mais de 20 anos! Inda bem que as registrei a tempo de salvá-las do esquecimento total. E constato, então que outro verdadeiro milagre se fez, pois meus neurônios não me traíram, permitindo que eu não perdesse o fio dos acontecimentos, reproduzindo-os, tintim por tintim. Como dizia o velho Bobôco, dá-se o causo e depois acontece.
Prepare-se, amigo ou amiga, para tomar conhecimento de curioso e secretíssimo milagre, operado por um Santo... Mas daqui mesmo, dessa terra velha de guerra. Dado e passado no ano de 1980, lá pelas bandas do rio Oiapoque, nos confins da Mãe Gentil, numa tarde morna de verão, sob as vistas incrédulas de duas testemunhas que juraram levar o segredo consigo para o túmulo.
O fato é que o fato, em seus mínimos e fiéis detalhes, a mim chegou e eu os guardei, por mais de duas décadas, sob força de inquebrantável compromisso moral. Mas é chegada a hora de levantar o véu do tempo e deixar vir ao palco a Verdade... Inteira... Nua... E espantosa.
Que a minha fonte descanse em paz, à sombra do salgueiro eterno, em algum bosque tranqüilo do sétimo céu, onde agora reside! E que me perdoe a incontinência escrita! Mas pesou-me demasiado ser o último portador desse mistério. Que unicamente a força da Verdade guie minhas mãos trêmulas! E que me sequem as veias e enrijeçam os dedos, se uma única vírgula do aqui registro, expressar a mais mínima mentira! Por testemunhas insuspeitas, invoco as sumaúmas silentes, os inquietos pirarucus e as hordas de carapanãs, senhoras insaciáveis das vaporosas tardes amazônicas.
Desde o nascimento, carregou o estigma de ser Santo*. Santo de nome. Na escola, nas brincadeiras de rua, no ginásio, na faculdade... O trocadilho infame com as referências da igreja católica o haveria de perseguir pela vida a fora. Apesar disso, forçoso é dizer que o Santo nunca foi um santo. Entendam-me! Não que ele tenha sido um demônio. Longe disso! Mas, também, um pecadinho aqui, outro ali, coisinha assim, de mineirinho come-quieto, isso ele sempre espalhou, por esse Brasil de meu Deus, onde exerceu o mister de geólogo desbravador de nossos mais recônditos segredos minerais.
Até que um dia aportou no Oiapoque, em campanha de amostragem geoquímica. Antes de empreender viagem, nosso protagonista, espírito pesquisador nato, buscou se inteirar sobre a região. E foi aí que tomou ciência do fenômeno da pororoca, algo que remontava, vagamente, às longínquas aulas de geografia primária. Afora a lírica lembrança da professora Dalila (que pernas!), o fenômeno não lhe despertou mais que displicente curiosidade.
Mas, além de Santo, nosso personagem, por precoce fatalidade, sofria de esquisita tremedeira nas mãos, incômodo que se acentuava dramaticamente, ante situações de estresse emocional. Tipo assim ser chamado à sala do chefe. Ou enfrentar turbulência, em viagens aéreas, seu maior suplício. Nessas circunstâncias, o mal se agravava e ele, constrangido, fazia coisas precipitadas, no afã de fugir ao vexame da tremedeira pública.
Sem mais delongas, entretanto, voltemos ao causo! Mas não julque, amigo ou amiga, que me alonguei desnecessariamente. Todo esse intróito é absolutamente importante para a cabal compreensão dos fatos que se passaram naquele bucólico fim de tarde. A estatura psicológica do nosso Santo, digamos assim, é que vai determinar o desfecho inesperado desse causo, sem nenhuma sombra de dúvida, um dos mais autênticos milagres já ocorridos nessa Terra voraz, desde que por aqui passou o Filho do Homem.
E note, amigo ou amiga, que o Filho, além do Homem, contava com doze fervorosos apóstolos aqui embaixo, para qualquer eventualidade. Quanto ao nosso Santo – coitado! - contava apenas com o nervosismo de um técnico descrente, cheio de pecados, e a quase-indiferença de um barqueiro bocó que, no afã de manter o barco a salvo, nem se apercebeu direito do que se passou bem diante de seu nariz.
Apois bem! Corria a tarde modorrenta e úmida. Perdido na vastidão do Oiapoque, singrava sereno, o barquinho de alumínio, no rumo da margem esquerda, para a coleta da última amostra do dia. Tudo era tepidez tropical e calma e mormaço, sob o enlevo sonolento do valente motor de popa.
De repente, assim... Muito sorrateiramente, um vago barulho começa a se ouvir. Distante. Grave. A princípio, ninguém liga. O barqueiro parece alheio ao mundo, em sua luta com as vagas. Mas, eis que o zumbido torna-se ronco... Algo assim, como o urro de uma fera. A superfície tranqüila entra em crispações rebeldes, marolas persistentes, pequenas ondas... Como que despertando da tediosa modorra, o barqueiro nota cardumes compactos a subir o rio... Estouro de boiada subaquática. Bandos barulhentos de aves em alvoroço pareciam exércitos em retirada: desordenados, excitados. O ar adensa-se. A tensão se instala.
Ninguém diz palavra. Os olhos buscam respostas, mas são os ouvidos que vão registrando, segundo a segundo, o aumento do barulho, como o troar terrível de tambores de guerra, assombrando a floresta. Trovão ricocheteando nas serranias. Sei lá!
Dentro do Santo, algo lhe dizia do perigo iminente, mas quando as ondas começaram a empinar o barco, tentando empurrá-lo de volta, nesse momento seus instintos aguçados liberaram toda a tremedeira represada, como se fosse o acionamento de escudo automático. Agora, já se ouviam barulho de árvores caindo. Num sonho surreal, o Santo reviu, enquanto avaliava o ambiente, a professora Dalila de pernas cruzadas, atazanando os alunos, nas aulas de geografia... O que mesmo ela disse sobre a pororoca? As lembranças eram muito imprecisas, menos as pernas roliças da professora.
Então se ouviu um estouro medonho, rio abaixo. Funcionou como um despertador. Pois, num piscar de olhos, todos gritaram, ao mesmo tempo:
- A pororoca!!!!
Bastou. A tremedeira do Santo passou a abalo sísmico. Dominado por um nervosismo indescritível, ele já se via tragado pela maré lamacenta que daqui a pouco engoliria tudo o que encontrasse pela frente.
Ninguém sabia o que fazer direito. O Santo entrou em cataclismo. O técnico descrente rezava baixinho, jurando converter-se, se escapasse daquela. O barqueiro tentava desesperadamente atingir a margem, que estava a não mais de 20 metros, mas a força das ondas era bem maior que a potência do pequeno motor. Com rara perícia, ditada pelo instinto de sobrevivência, ele postou o barco em posição enviesada, usando a energia das ondas a seu favor, o que lhe permitiu redirecionar o veículo no rumo da margem, embora de forma bem esquisita e para longe do alvo geoquímico. A margem estava ali diante dos olhos, mas a pororoca já lambia o barco. Era questão de segundos. Em manobra arriscadíssima, o barqueiro conseguiu “surfar” numa onda, esperando ser lançado contra a margem. Agora, era tudo ou nada, pois a onda principal já apontara na curva, num cenário de filme de terror. O barco já perdera a estabilidade e o naufrágio viria em seguida. E a terra firme, agora, estava a menos de dez metros.
Pois bem, meu amigo e minha amiga, foi aí, exatamente nesse momento, que o milagre se fez. Desafiando todas as normas de segurança e pegando todos de surpresa, o Santo levantou-se, postou-se na borda do barco, inspirou todo o ar que havia naquele momento nos céus do Oiapoque e... Saiu em disparada. Isso mesmo! O Santo, talvez impulsionado pelo vai-e-vem descontrolado das pernas, desembestou-se por SOBRE a superfície encrespada das águas, sem afundar um só milímetro, inclusive desviando-se do emaranhado de cipós, com inusitada maestria. Pousou em terra firme bem antes dos companheiros e ainda os ajudou no desembarque apressado, a tempo exato de se livrarem da onda assassina. Não sei se o leitor ou leitora se deu conta do que se passou: nosso Santo andou por SOBRE as águas, como São Pedro, como Jesus, como os santos da tradição. "O homem parecia de isopor!", foi a observação final feita por minha fonte, ao me contar esse causo.
Foi somente quando a adrenalina baixou e o vermelho dos lábios se refez, que os olhos das duas incrédulas testemunhas cravaram no Santo a pergunta que as bocas se recusaram a fazer:
- Como você conseguiu isso?
Mas ninguém ousou perturbar o silêncio pós-pororoca. Na verdade, havia mesmo certo medo, como se as palavras pudessem subtrair o encanto daquele milagre. A figura do colega, agora , emanava uma auréola respeitosa, que infundia silenciosa reverência, apenas isso.
E então, mais uma vez surpreendendo, foi ele mesmo que quebrou o silêncio, ao convocar os colegas, como se nada tivesse acontecido:
- Vamos lá minha gente, que ainda falta uma amostra!
E mais não disse e mais nada se lhe perguntou. E os anos voaram tão rápido como aquela pororoca. E as duas únicas testemunhas oculares deixaram de contar o ocorrido, por não suportarem as chacotas e a falta de crença das pessoas. E o milagre foi se desvanecendo sob o véu do tempo.
De minha parte, quando dele tomei conhecimento, não duvidei. Pelo contrário. Dele tenho a mais cristalina certeza e aposto que as coisas aconteceram exatamente assim. E inda digo mais, esses milagres não eram raros na vida do Santo.
Certa vez, a pequena aeronave em que viajava entrou numa turbulência amazônica, daquelas em que a gente acha que chegou o fim. As rajadas de vento faziam o avião subir e descer, como se fosse de papel. Então, um amigo viu com aqueles olhos que a terra há de comer. Ele jura que viu o Santo flutuar, 20 centímetros acima da poltrona, em transe, paradinho da silva, enquanto todos pareciam surfistas sem prancha. E meu amigo me disse que ficou tão espantado, que nem ousou lhe fazer pergunta alguma. Até porque, quando se restaurou a tranquilidade, ele só se preocupou mesmo foi em tomar uma dose de uísque.
Pois é...
Hoje, aqui no bem-bom de um quarto de hotel, lembrei-me dessas coisas passadas há mais de 20 anos! Inda bem que as registrei a tempo de salvá-las do esquecimento total. E constato, então que outro verdadeiro milagre se fez, pois meus neurônios não me traíram, permitindo que eu não perdesse o fio dos acontecimentos, reproduzindo-os, tintim por tintim. Como dizia o velho Bobôco, dá-se o causo e depois acontece.