Quando o tapa me estalou no rosto,
Não foi dor que senti, nem raiva.
Não que seja estúpido ou santo,
Mas é que dominou-me tal espanto,
Que mal fitei a mão que estapeava...
E fiz-lhe ver o horror do meu desgosto.
Não sei quanto tempo se passou – eu mudo.
Segundos cruéis... Silêncios fatais.
Mas quando, enfim, recuperei o senso,
Já se esvaíra de mim aquele amor imenso
E me afloraram sentimentos tais,
Que revolveram fundo e misturaram tudo.
E, então, caí do furacão no vórtice
E sorvi do amor, o amargo fel.
Mas, não durou nem um minuto, acho,
Senti subir em mim um fogo, um facho,
Que iluminou e retirou o véu
E expulsou o medo e removeu o óbice.
E deu-se, então, o que se viu depois,
E foi tudo em seu lugar reposto
E nosso caso terminou – que pinta!
Exatamente às dezenove e trinta,
Daquele dia vinte e um de agosto,
Mil novecentos e noventa e dois.
Bsb 26/04/2008
Página despretensiosa. Porta-retrato cibernético de um brasileiro inquieto, que gosta de dizer coisas. E de escrever coisas. Não sei se me entendem. Mas não importa. Importa participar do mosaico cultural do Brasil desse início de Século. Não sou poeta, nem literato, nem colunista. Não sou nada, sou apenas um geólogo aprendendo com as pedras do caminho. Mas também não sou bobo. Caminhando e assuntando, aprendi a dar minhas marteladas. Relaxe, não vai doer.
terça-feira, julho 08, 2008
terça-feira, julho 01, 2008
Anjo junino
Duas e meia da manhã. Um frio cortante tomara conta da cidade triste e escura. Dos festejos de horas antes, só restavam o zumbido e o gosto de cachaça na boca. Como todos os anos, o São João tinha sido bem tradicional, naquela cidadezinha do sertão, em casa de família. Leitoa, carneiro, quentão, comidas de milho, amendoim, bolo de arroz, cachaça, cerveja e aquele sanfoneiro que nunca pode faltar. Mas, a saúde do patriarca já não era mais a mesma. Em sua consideração, a festa acabara cedo.
Na praça das lembranças eternas, silêncio e sombras e o barulho do vento. Mas, um ligeiro movimento me chamou a atenção. Sentado na calçada em frente ao portão de casa, um menino. Loiro, magro, mal vestido, cabelo desgrenhado, com algumas caixas de fogos vazias na mão, olhando fixamente para o que restara da fogueira: algumas teimosas labaredas sobre o braseiro quase apagado. Parecia não ligar para o frio.
Quando sentiu minha presença no portão, assustou-se ligeiramente, mas logo se recuperou e ali, do outro lado da rua, enfrentou-me com um olhar desafiador. Encarou-me. Quis dizer alguma coisa, mas me limitei a sustentar o olhar por alguns custosos segundos. Não fiz absolutamente nada. De sua parte, após calar-me, ele simplesmente me ignorou. Levantou-se da calçada e ficou remexendo os restos de fogos na rua com uma varinha. Calmamente, revirava os papéis queimados dos vulcões, dos traques, dos buscapés, das chuvinhas, das bombas e das espadas que, pouco antes, fizeram a alegria de outras crianças. Sério e meticuloso, parecia determinado a encontrar algo.
Nunca o tinha visto. Era completamente estranho para mim. Seus cabelos de fogo refletindo as luzes da noite e seu porte altivo davam-lhe um ar angelical.
Normalmente, eu lhe perguntaria se estava com fome, se queria refrigerante, onde morava, se precisava de algo, quem eram seus pais, mas ali, naquele momento mágico, ele era o senhor da situação. Eu não ousei lhe dirigir a palavra. Apenas acompanhei seus movimentos, admirado daquela presença inesperada.
De repente, ele agachou e pegou algo no chão. Sua boca abriu-se num sorriso largo que pude ver perfeitamente. Era a pura felicidade. Após uns breves segundos de admiração, atirou o objeto dentro da fogueira e seguiu-se o espocar de um traque. Ele riu mais ainda e pareceu ter alcançado seu objetivo. Recolheu as caixas que deixara no chão e voltou a se sentar na calçada, olhar perdido na noite. Agora, era a pura tristeza.
Magnetizado no portão de casa, tudo acompanhei sem nada dizer. Nem me movia, em respeito absoluto àquela presença tão estranha, quanto dominadora.
Não sei quanto tempo permaneceu naquela contemplação quase religiosa. Sei que em determinado momento ele se levantou, ajeitou as caixas vazias nas mãozinhas pequenas, ficou ao lado da fogueira uns segundos e saiu cabisbaixo, rua acima. Só então pude descer o degrau para, finalmente, ganhar a calçada. Após passar a chave no cadeado, ainda intrigado, procurei o menino e não o vi mais na rua. Vasculhei cada poste e cada árvore da praça vazia e... Nada. Fui até o beco, a vinte metros da casa, e lá também nem sinal de vida humana. O menino simplesmente desaparecera.
Não sei o que me deu, mas peguei o carro e percorri todas as ruas e praças da vizinhança e não o encontrei mais. Não me pergunte por que fiz isso.
Quem era aquela criança? O que fazia sozinha, de madrugada, pelas ruas da cidade vazia? O que buscava? Para onde foi? Por que me encarou daquela forma desafiadora e paralisante? E por que eu não fiz nada?
Fiquei na cidade mais de uma semana, mas nunca mais voltei a ver aquele rostinho angelical. Não disse nada a ninguém, nem fiz perguntas. Simplesmente guardei na lembrança aquele estranho encontro. Desencanei e toquei a vida em frente. Hoje, porém, decorrido um tempo razoável, eu digo a quem tem ouvidos de ouvir, ou melhor, escrevo a quem tem olhos de ler: é nos mistérios que as verdades se escondem. E é nos sonhos que a realidade se desvenda. O que chamamos de vida real, não passa de uma farsa, uma ilusão a nos desviar, cotidianamente, do que faz sentido, do que importa. Afinal, a dita vida real é breve como o canto de despedida da cigarra. Mas os mistérios, os insondáveis mistérios, com esses é que passaremos a eternidade. É para lá que todos caminhamos, inexoravelmente, quer queiramos ou não. A imagem daquele anjo junino é tão real quanto a certeza da morte. A vida? Fico com Gonzaguinha, que sabia das coisas e se adiantou, na viagem inevitável: “...é uma gota, é um tempo que nem dura um segundo...”
Na praça das lembranças eternas, silêncio e sombras e o barulho do vento. Mas, um ligeiro movimento me chamou a atenção. Sentado na calçada em frente ao portão de casa, um menino. Loiro, magro, mal vestido, cabelo desgrenhado, com algumas caixas de fogos vazias na mão, olhando fixamente para o que restara da fogueira: algumas teimosas labaredas sobre o braseiro quase apagado. Parecia não ligar para o frio.
Quando sentiu minha presença no portão, assustou-se ligeiramente, mas logo se recuperou e ali, do outro lado da rua, enfrentou-me com um olhar desafiador. Encarou-me. Quis dizer alguma coisa, mas me limitei a sustentar o olhar por alguns custosos segundos. Não fiz absolutamente nada. De sua parte, após calar-me, ele simplesmente me ignorou. Levantou-se da calçada e ficou remexendo os restos de fogos na rua com uma varinha. Calmamente, revirava os papéis queimados dos vulcões, dos traques, dos buscapés, das chuvinhas, das bombas e das espadas que, pouco antes, fizeram a alegria de outras crianças. Sério e meticuloso, parecia determinado a encontrar algo.
Nunca o tinha visto. Era completamente estranho para mim. Seus cabelos de fogo refletindo as luzes da noite e seu porte altivo davam-lhe um ar angelical.
Normalmente, eu lhe perguntaria se estava com fome, se queria refrigerante, onde morava, se precisava de algo, quem eram seus pais, mas ali, naquele momento mágico, ele era o senhor da situação. Eu não ousei lhe dirigir a palavra. Apenas acompanhei seus movimentos, admirado daquela presença inesperada.
De repente, ele agachou e pegou algo no chão. Sua boca abriu-se num sorriso largo que pude ver perfeitamente. Era a pura felicidade. Após uns breves segundos de admiração, atirou o objeto dentro da fogueira e seguiu-se o espocar de um traque. Ele riu mais ainda e pareceu ter alcançado seu objetivo. Recolheu as caixas que deixara no chão e voltou a se sentar na calçada, olhar perdido na noite. Agora, era a pura tristeza.
Magnetizado no portão de casa, tudo acompanhei sem nada dizer. Nem me movia, em respeito absoluto àquela presença tão estranha, quanto dominadora.
Não sei quanto tempo permaneceu naquela contemplação quase religiosa. Sei que em determinado momento ele se levantou, ajeitou as caixas vazias nas mãozinhas pequenas, ficou ao lado da fogueira uns segundos e saiu cabisbaixo, rua acima. Só então pude descer o degrau para, finalmente, ganhar a calçada. Após passar a chave no cadeado, ainda intrigado, procurei o menino e não o vi mais na rua. Vasculhei cada poste e cada árvore da praça vazia e... Nada. Fui até o beco, a vinte metros da casa, e lá também nem sinal de vida humana. O menino simplesmente desaparecera.
Não sei o que me deu, mas peguei o carro e percorri todas as ruas e praças da vizinhança e não o encontrei mais. Não me pergunte por que fiz isso.
Quem era aquela criança? O que fazia sozinha, de madrugada, pelas ruas da cidade vazia? O que buscava? Para onde foi? Por que me encarou daquela forma desafiadora e paralisante? E por que eu não fiz nada?
Fiquei na cidade mais de uma semana, mas nunca mais voltei a ver aquele rostinho angelical. Não disse nada a ninguém, nem fiz perguntas. Simplesmente guardei na lembrança aquele estranho encontro. Desencanei e toquei a vida em frente. Hoje, porém, decorrido um tempo razoável, eu digo a quem tem ouvidos de ouvir, ou melhor, escrevo a quem tem olhos de ler: é nos mistérios que as verdades se escondem. E é nos sonhos que a realidade se desvenda. O que chamamos de vida real, não passa de uma farsa, uma ilusão a nos desviar, cotidianamente, do que faz sentido, do que importa. Afinal, a dita vida real é breve como o canto de despedida da cigarra. Mas os mistérios, os insondáveis mistérios, com esses é que passaremos a eternidade. É para lá que todos caminhamos, inexoravelmente, quer queiramos ou não. A imagem daquele anjo junino é tão real quanto a certeza da morte. A vida? Fico com Gonzaguinha, que sabia das coisas e se adiantou, na viagem inevitável: “...é uma gota, é um tempo que nem dura um segundo...”
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