domingo, agosto 26, 2007

Por quem chora o grevista

No final dos anos oitenta, o movimento dos trabalhadores da CPRM já contabilizava grandes conquistas, em comparação ao período pré-85, quando não negociávamos ACTs. Mas essas conquistas foram paridas em árduos confrontos com a Empresa, dos quais as várias greves que fizemos, foram momentos muito especiais de conscientização e aprendizado.
Chegou-me a notícia de que um colega, muito chegado pessoalmente, de uma outra Superintendência (na época eu atuava em Goiânia), era um contumaz fura-greve. Devido à nossa sabida amizade, vieram me pedir para tentar senzibilizá-lo, tendo vista um movimento paredista que se anunciava próximo e inevitável. Precisaríamos da máxima adesão possível.
Foi então que enviei ao caro fura-greve a carta que hoje resgato, pelo seu valor histórico, retirando do texto original qualquer referência que possa identificar o destinatário. Uma cópia não identificada circulou, clandestinamente, na época, mas sem minha autorização. Hoje, dado o véu do tempo, eu mesmo a publico, sem mais nenhum comentário.
Meu caro fura-greve,
De início, quero deixar bem claro que não tenho intenção, com esta carta, de lhe agredir e aos demais colegas que, sistematicamente, optam por trabalhar durante nossas greves, mesmo se colocando contra a imensa maioria. A greve é apenas um direito, não uma obrigação. Desse direito, que é a arma mais poderosa da classe trabalhadora, faz uso quem quer. Melhor dizendo, quem tem verdadeira consciência do seu significado. Participar ou não, de um movimento paredista é uma simples questão de consciência. E consciência é coisa que não entra em nós através de nenhum dos cinco sentidos, mas pelo uso da razão.
Por isso me propus escrever-lhe esta carta, que é, antes de mais nada, um convite à reflexão, para que você, que não tem estado conosco, pense, pondere comigo, analise as considerações que faço e venha juntar-se a nós, nas próximas mobilizações. Quero lhe mostrar que o seu lado é o lado de cá, junto dos seus colegas.
Vejamos seus motivos. Discutamos seus argumentos, suas justificativas que, imagino possam ser pressão da chefia; medo do corte do ponto ou medo de outras represálias.
Enfim, você tem medo de ser prejudicado, de alguma forma. Atrás de algum desses argumentos, acha perfeitamente justificável não parar, pois, “quem me dará o dinheiro para o supermercado no fim do mês, se meu salário, que já é baixo, vier descontado?” Ou então: “quem me conseguirá outro emprego, se eu perder este?”. Não são perguntas desse tipo que você sempre faz?
Eu apenas posso lhe dizer que não tenho as respostas, porque não participo de greves pensando nos problemas individuais deste ou daquele colega. Saiba que as greves não oferecem abrigo contra temores pessoais, posto que se trata de movimento solidário, coletivo. No meio do grupo, nos sentimos forte, como categoria e nos enchemos de dignidade. Dormimos em paz e não temos medo do espelho, mesmo sem a certeza de vitórias pessoais.
Você certamente dirá: “tudo isto é muito bonito, mas dignidade não enche barriga!”. Eu lhe digo, porém, que as greves são dos mais belos exemplos de solidariedade que existem. Há categorias, como a dos professores, alguns setores do funcionalismo público e da construção civil, por exemplo, com nível salarial menor que o nosso e sofrendo corte integral dos dias parados, que sustentam greves por meses a fio e nunca se ouviu que um desses trabalhadores morresse de fome. Em compensação, não padecem de insônia, possuem altivez, andam de cabeça erguida. A dignidade não sente fome, acredite em mim! Barriga cheia, sem dignidade, dá insônia.
Da mesma forma que a miséria não justifica o crime, o medo também não pode servir de justificativa para o ato de abandonar os colegas. O que o faz supor que as represálias, se houverem, recairão sobre você? Você se supõe mais exposto que os colegas, como eu, que estão na liderança do movimento? Em caso de demissões, por causa da paralisação, quem acha que será alcançado primeiro, você ou eu?
Olha meu amigo, o movimento sindical não avançou sempre em brancas nuvens. Há um preço a ser pago. Ao final de cada greve, empresa e trabalhadores contabilizam suas perdas e ganhos. Porém uma coisa é certa, é lei: havendo organização e união, o movimento avança sempre e a categoria nunca perde. Você não acha bom ter no seu contracheque, itens como anuênio, adicional regional, complementação do mínimo profissional? Não gostou de receber aqueles famosos 58% por conta da URP’s e do Plano Verão? Não acha importante que tenhamos auxílio-educação, auxílio-creche e auxílio ao filho excepcional? Até o auxílio-funeral, que nenhum de nós gostaria de receber! Não é reconfortante saber que num momento de fragilidade emocional, ele cuida de tudo para nós? Não é bom também, saber que, no caso de falecimento ou internação de parente próximo, podemos dispor de alguns dias de folga? E o que me diz da assistência médica, da licença paternidade e de uma série de outros benefícios sociais e trabalhistas, igualmente importantes, constantes dos nossos ACT’s?
Pois tudo isso, é bom que saiba, não foi obtido de graça, nem foi concedido, gentilmente, pela Empresa. Foram conquistas paridas em tensas negociações, suportadas por greves organizadas, onde nunca faltou o apoio maciço da categoria. Já pensou, no entanto, se todo mundo pensasse como você e não participasse das greves? Já pensou se todos se escondessem atrás de seus medos?
Se você é daqueles que julgam a validade de uma greve apenas pelos seus resultados, então ouça o que vou lhe dizer e considere minhas palavras como uma provocação: uma greve não pode ser julgada só pelos resultados que obtém, mas sim pela justeza das causas que reivindica, pela forma correta de sua condução e pela sua fidelidade aos legítimos interesses da categoria. Na verdade, a greve é o momento especial de um confronto de classes. Desse confronto, a classe trabalhadora pode não obter, em determinados momentos, ganhos salariais imediatos, todavia se foi conduzida com dignidade e se os interesses dos trabalhadores não foram traídos, foi um movimento vitorioso, pois a credibilidade da condução mantém a dignidade do trabalhador e alimenta a mobilização de maneira permanente. Um recuo estratégico, consciente, não pode ser encarado como derrota.
Nós, empregados da CPRM, constituímos um corpo social único. Cada trabalhador é uma célula desse corpo. Enquanto houver uma só célula doente, todo o corpo estará doente. Portanto, você que costuma furar nossas greves, que não se expõe; que não corre risco de ter os dias descontados, quando vir, pelos corredores da empresa, um colega chorando, por ter sofrido qualquer retaliação, em função da greve, não pergunte o motivo do seu choro, nem sinta pena dele, porque ele é, na verdade, um forte. Pense em você mesmo, meu amigo, na sua fraqueza, que nos enfraquece a todos. No seu medo que nos acovarda e nos diminui. Na sua subserviência, que abre dolorosa chaga no corpo de nossa categoria. E você sentirá que, na verdade, é por você que ele chora. Você é quem é digno de pena.
Por fim, se após a leitura dessas despretensiosas palavras, você estiver se sentindo incomodado, não se preocupe. Deixe o incômodo aflorar! É sua consciência que está reagindo. Relaxe ... E reflita.
Com minhas sindicais saudações,.

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